segunda-feira, 11 de agosto de 2014

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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O BRASIL E PORTUGAL
Eça de Queiróz
Os jornais ingleses desta semana têm-se ocupado prolixamente do Brasil. Um correspondente do Times, encarregado por esta potência de ir fazer pelo continente americano uma «vistoria social» definitiva, deu-nos agora, em artigos repletos e maciços o resultado do seu ano de jornadas e de estudos.
O último artigo é dedicado ao Brasil: eu, que nunca visitei o império, não tenho naturalmente autoridade para apreciar essas revelações (porque o correspondente toma a atitude de um revelador) sobre a religião, a cultura, os produtos, o comércio, a emigração, o carácter nacional, o nível de educação, a situação dos portugueses, a dinastia, a constituição, a república et de omni re braziliensi, e não posso transcrevê-las também porque elas enchem, no Times vasto como é, mais espaço que o próprio Brasil ocupa no território da América do Sul. Esse artigo excitou o interesse e os comentário da Pall-Mall Gazette e de outros jornais, e aí se rompeu a falar do Brasil com simpatia, com curiosidade, com essas admirações ingénuas pela sua rutilante flora, esse pasmo quase assustado pela sua vastidão, que decerto tiveram nossos avós quando o bom
Pedro Álvares Cabral, largando a procurar o Preste João, voltou com a, rara nova das terras entrevistas do Brasil... Devendo mostrar-lhes a opinião presente da Inglaterra sobre o Brasil, desses artigos floridos, escolho o do Times, anotando e glosando o trabalho do seu enviado. (E deste modo respeitoso que se deve falar sempre de um correspondente do Times.)
Começa, pois, o grande jornal da City por dizer – «que a descrição do vasto império do Brasil com que foi fechada a série das cartas sobre o continente americano deve ter feito transbordar o sentimento de admiração pelo esplendor, etc. Seguem-se aqui naturalmente vinte linhas de êxtase: é, em prosa, a ária do quarto acto da Africana, Vasco da Gama de olhos húmidos e coração suspenso no enlevo de tanta flor prodigiosa, de tão raros cantos de aves raras...
Depois vem o espanto clássico pela extensão do império: «Só o simples tamanho de um tal domínio (exclama) na mão de uma diminuta parcela da humanidade é já em si um facto suficientemente impressionador!»
E todavia esta admiração do Times pelo gigante é misturada a um certo patrocínio familiar, de ser superior – que é a atitude ordinária da Inglaterra e da imprensa inglesa para com as nações que não têm duzentos couraçados, um Shakespeare, um Bank of England e a instituição do roast-beef... Neste caso do Brasil, o tom de protecção é raiado de simpatia...
Depois o artigo rompe de novo num hino: «A Natureza no Brasil não necessita do auxílio do homem para se encher de abundâncias e se cobrir de adornos!... Para seu próprio prazer planta, ela mesma, luxuriantes parques! E não há recanto selvagem que não faça envergonhar as mais ricas estufas da Europa...» Isto é decerto exacto: mas o Times, receando que os seus leitores viessem a supor que a Natureza do Brasil está de tal modo repleta, tão indigestamente atestada, que não permite, que se recusa com furor a receber no seu ventre empanturrado uma semente mais sequer – apressa-se a tranquilizá-los: «Mas (diz este sábio jornal judiciosamente) ainda que a Natureza dispense bem todo o trabalho do homem, que outros solos menos generosos requerem para se abrir em flores e frutos – não o repete todavia. Isto sossega os nossos ânimos: ficamos assim certos que nenhum fazendeiro, nos distantes cafezais, ao atirar à terra, a terra-mãe, com a enxada fecundadora, a semente inicial, corre o risco atroz de ser por ela atacado à pedrada ou a golpes de bananeira... Nem outra coisa se podia esperar da doce e pacífica Ceres..
Tendo assim floreado, de penacho oratório ao vento, o Times investe com as ideias práticas. E começa por declarar que, segundo o copioso relatório do seu correspondente, «o que surpreende na América do Sul (se exceptuarmos aquela tira de terra que constitui a República do Chile, e alguns bocados da costa do enorme Império do Brasil) é a grandeza de tais recursos comparada à desapontadora magreza dos resultados». Seria fácil responder com a escassez da população. O Times, de resto, sabe-o bem, porque nos fala logo dessa população nas repúblicas espanholas, mas não a acha escassa; o que a acha é torpe!... A pintura que nos dá do Peru, Bolívia, Equador e consortes e ferina e negra: «Essa gente vive numa indolência vil, que não é incompatível com muita arrogância e muita exagerada vaidade! Desse torpor só rompe, por acesso de frenesi político. Todo o trabalho aí empreendido para fazer produzir a Natureza é dos estrangeiros: os naturais limitam-se a invejá-los, a detestá-los por os verem utilizar oportunidades que eles mesmo não se quiseram baixar a usar!» Isto é cruel: não sei se é justo: mas entre estas linhas palpita todo o rancor de um inglês possuidor de maus títulos peruanos. «E se o nosso correspondente (continua o artigo) oferece de alto o Brasil à nossa admiração, não é em absoluto, é relativamente, em contraste com os países que quase o igualam em vantagens materiais, como o Peru e o Rio da Prata, mas onde a discórdia intestina devora e destrói todo o progresso nascido da actividade estrangeira. O Brasil é português e não espanhol: e isto explica tudo. O seu sangue europeu vem daquela parte da Península Ibérica em que a tradição é a liberdade triunfante e nunca suprimida.» O Times aqui abandona-se com excesso às exigências rítmicas da fase: parece imaginar que desde a batalha de Ourique temos vindo caminhando numa larga e luminosa estrada de ininterrompida democracia!...
Mas, enfim, continua: «Quando o Brasil quebrou os seus laços coloniais não tinha a esquecer feias memórias de tirania e rapacidade nem teve de suprimir genericamente os vestígios de um mau passado.» Com efeito; pobres de nós, nunca fomos decerto para o Brasil senão amos amáveis e timoratos.
Estávamos para com ele naquela melancólica situação de velho fidalgo, solteirão arrasado, desdentado e trôpego, que treme e se baba diante de uma governanta bonita e forte. Nós verdadeiramente é que éramos a colónia: e era com atrozes sustos do coração que, entre uma salve-rainha e um lausperene, estendíamos para lá a mão à esmola...
O Times prossegue: «Ainda que independente, o Brasil ficou português de nacionalidade e semieuropeu de espírito. Pelo simples facto de se sentir português, o povo brasileiro teve, e conserva, o instinto do grande dever que lhe incumbe: tirar o partido mais nobre da sua nobre herança... Sejam quais tenham sido os erros de Portugal, não se pode dizer que se tenha jamais contentado com o mero número das suas possessões, sem curar de lhes extrair os proventos O Times aqui dormita, como o secular Homero.
E justamente o que nos preocupa, o que nos agrada, o que nos consola é contemplar simplesmente o número das nossas possessões: pôr-lhes o dedo em cima, aqui e além, no mapa; dizer com voz de papo, ore rotundo: «Temos oito; temos nove, somos uma nação colonial, somos um génio marítimo!...» Enquanto a extrair-lhes os proventos, na frase judiciosa do Times, desses detalhes miseráveis não cura o pretor nem os netos de Afonso de Albuquerque!... Mas prossegue o Times. «O império colonial de Portugal talvez tenha sido outrora caracterizado por desfortuna – quase nunca por estagnação.» Talvez é bom: com o império do Oriente, no nosso passado, que é um dos mais feios monumentos de ignomínia de todas as idades... Continuemos.
«Do sentido donde o Brasil deriva a sua actividade deriva também (o que não é menos importante) o respeito pela opinião da Europa. O vadio das ruas de Lima, de Caracas ou de Buenos Aires nutre um soberano desprezo pelos juízos que a Europa possa formar das suas tragicomédias políticas... Não tem consciência de coisa alguma, a não ser do seu sangue castelhano... Sente decerto o inconveniente de ser expulso do crédito e das bolsas da Europa... Mas avalia esta circunstância apenas pelos embaraços momentâneos que ela lhe traz. O financeiro brasileiro, porém, esse presta uma tão respeitosa atenção ao temperamento das bolsas de Paris e Londres como ao da mesma praça do Rio de Janeiro...» O Times vê neste sintoma a consideração que o Brasil tem pela opinião da Europa.
Mas onde o Times se engana é quando pretende que o Brasil deve ao seu sangue português esta bela qualidade de obedecer aos juízos do mundo civilizado. Não há pais no universo onde se despreze mais, creio eu, o julgamento da Europa que em Portugal: nesse ponto somos como o vadio das ruas de Caracas, que o Times tão pitorescamente nos apresenta: porque eu chamo desdenhar a opinião da Europa não fazer nada para lhe merecer o respeito. Com efeito, o juízo que de Badajoz para cá se faz de Portugal não nos é favorável, nós sabemo-lo bem – e não nos inquietamos! Não falo aqui de Portugal como Estado político. Sob esse aspecto gozamos uma razoável veneração. Com isto, nós não trazemos à Europa complicações importunas; mantemos dentro da fronteira uma ordem suficiente: a nossa administração é correctamente liberal; satisfazemos com honra os nossos compromissos financeiros.
Somos o que se pode dizer um povo de bem, um povo boa pessoa. E a nação, vista de fora e de longe, tem aquele ar honesto de uma pacata casa de província, silenciosa e caiada, onde se pressente uma família comedida, temente a Deus, de bem com o regedor e com as economias dentro de uma meia... A Europa reconhece isto: e todavia olha para nós com um desdém manifesto. Porquê? Porque nos considera uma nação de medíocres: digamos francamente a dura palavra – porque nos considera uma raça de estúpidos. Este mesmo Times, este oráculo augusto, já escreveu que Portugal era intelectualmente tão caduco, tão casmurro, tão fóssil, que se tornara um país bom para se lhe passar muito ao largo e atirar-lhe pedras (textual).
O Daily Telegraph já discutiu em artigo de fundo este problema: se seria possível sondar a espessura da ignorância lusitana! Tais observações, além de descorteses, são decerto perversas. Mas a verdade é que numa época tão intelectual, tão crítica, tão científica como a nossa, não se ganha a admiração universal, ou se seja nação ou indivíduo, só com ter propósito nas ruas, pagar lealmente ao padeiro e obedecer, de fronte curva, aos editais do Governo Civil. São qualidades excelentes mas insuficientes.
Requer-se mais: requer-se a forte cultura, a fecunda elevação de espírito, a fina educação do gosto, a base científica e a ponta de ideal que em França, na Inglaterra, na Alemanha, inspiram na ordem intelectual a triunfante marcha para a frente; e nas nações de faculdades menos criadoras, na pequena Holanda ou na pequena Suécia, produzem esse conjunto eminente de sábias instituições que são, na ordem social, a realização das formas superiores do pensamento.
Dir-me-ão que eu sou absurdo ao ponto de querer que haja um Dante em cada paróquia e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos tortulhos. Bom Deus, não! Eu não reclamo que o país escreva livros, ou que faça artes: contentar-me-ia que lesse os livros que já estão escritos e que se interessasse pelas artes que já estão criadas. A sua esterilidade assusta-me menos que o seu indiferentismo. O doloroso espectáculo é vê-lo jazer no marasmo, sem vida intelectual, alheio a toda a ideia nova, hostil a toda a originalidade, crasso e mazorro, amuado ao seu canto, com os pés ao sol, o cigarro nós dedos e a boca às moscas... E isto o que punge.
E o curioso é que o país tem a consciência muito nítida deste torpor mortal e do descrédito universal que ele lhe atrai. Para fazer vibrar a fibra nacional, por ocasião do centenário de Camões, o grito que se utilizou foi este: «Mostremos ao mundo que ainda vivemos, que ainda temos uma literatura!»
E o país sentiu asperamente a necessidade de afirmar alto à Europa que ainda lhe restava um vago clarão dentro do crânio. E o que fez? Encheu as varandas de bandeirolas e rebentou de júbilo a pele dos tambores. Feito o que – estendeu-se de ventre ao sol, cobriu a face com o lenço de rapé e recomeçou a sesta eterna. Donde eu concluo que Portugal, recusando-se ao menor passo nas letras e na ciência para merecer o respeito da Europa inteligente, mostra, à maneira do vadio de Caracas, o desprezo mais soberano pelas opiniões da civilização. Se o Brasil, pois, tem essa qualidade eminente de se interessar pelo que diz o mundo culto, deve-o às excelências da sua Natureza, de modo nenhum ao seu sangue português: como português, o que era lógico que fizesse era voltar as costas à Europa, puxando mais para as orelhas o cabeção do capote...
Mas retrocedendo ao artigo do Times: a conclusão da sua primeira parte é que «em riqueza e aptidões, o Brasil leva gloriosamente a palma às outras nacionalidades da América do Sul». Todavia, o Times observa no Brasil circunstâncias desconsoladoras: «Doze milhões de homens estão perdidos num estado maior que toda a Europa: a receita pública, que é de doze milhões de libras esterlinas, é muitos milhões inferior à da Holanda e à da Bélgica; com uma linha de costa de quatro mil milhas de comprimento, e com pontos de uma largura de duas mil e seiscentas milhas, o Brasil exporta, em valor de géneros, a quarta parte menos que o diminuto reino da Bélgica.» O Times, todavia, tem a generosidade de admitir que nem a densidade de população, nem o total das receitas, nem a cifra das exportações constituem a felicidade de um povo e a sua grandeza moral. A Suíça, que tem dois milhões de habitantes e justamente os mesmos dois milhões (em libras) de receita, vive em condições de prosperidade, de liberdade, de civilização, de intelectualidade bem superiores à tenebrosa Rússia, com os seus oitenta milhões de libras de receita e os mesmos oitenta milhões em homens. «Todavia (continua o Times), se a escassez da população, de rendimento e de comércio não colocam o Brasil num estado de adversidade são uma prova que faltam a esse povo algumas das qualidades que fazem a grandeza das nações.
Que os colonizadores portugueses, apenas apoiados pelo pequeno trono português, tivessem feito da metade do novo mundo que lhes concedeu o papa Alexandre mais que os colonizadores espanhóis, que tiravam a sua força da grande nação de Espanha, é uma coisa que prova a favor do sangue português comparado com o sangue castelhano, andaluz ou aragonês. Mas que as conquistas feitas no Brasil à Natureza sejam tão insignificantes e tão vastos os espaços que permanecem não só inconquistados mas desamparados – indica que são análogos os defeitos da colónia espanhola e da colónia portuguesa..
O resto do artigo é mais sério; e eu devo transcrevê-lo sem interrupção. «O Brasileiro não é, como o Peruano ou Boliviano, altivo de mais, ou preguiçoso de mais para se dignar reparar nos meios de riqueza e de grandeza tão .prodigamente espalhados em torno de si. Não; o Brasileiro tem energia suficiente para ambicionar e para calcular. A sua atenção está fixa nas férteis regiões do interior. Desejaria bem ver a rede dos seus rios navegáveis cobertos de barcos e vapores. Sucede mesmo que, nos pontos mais ricos da costa, o habitante queixa-se que uma excessiva porção dos impostos com que é sobrecarregado vai ser gasta em colossais trabalhos empreendidos em vantagem de remotas e incultas regiões que nunca, ou ao menos só daqui a longos anos, poderão aproveitar com eles. Mas em todo o caso o Brasil sente em si força suficiente para dar ao seu vasto território os benefícios de uma sábia administração.»
O Times aqui tem um pequeno período aludindo à nobre ambição que têm os Brasileiros de fazer tudo por si mesmos; vendo com aborrecimento as grandes obras entregues à perícia estrangeira, preferindo os esforços da ciência e do talento nacionais, ainda mesmo quando eles falham, custando ao país milhões perdidos... Depois prossegue:
«Mas enquanto o Brasileiro se mostra assim, em teorias políticas e administrativas, ansioso por fomentar ele mesmo, eles mesmos fazerem todas as obras dos seus cinco milhões de milhas quadradas – as suas mãos repugnam a agarrar o cabo da enxada, ou tomar a rabiça do arado, que é justamente o serviço que a Natureza reclama dele. Num continente que depois de três séculos e meio continua a ser um torrão novo, a grandeza das repúblicas ou dos impérios depende exclusivamente do trabalho manual. Italianos, alemães, negros, têm sido, estão sendo importados para fazerem o trabalho duro que repugna aos senhores do solo. Mas, inaclimatados em certos distritos, eles nunca poderiam labutar como os naturais dos trópicos. Nem mesmo nas províncias mais temperadas do império jamais os imigrantes trabalharão resolutamente – até que o exemplo lhes seja dado pela população indígena, senhora da terra. O Brasileiro ou tem de trabalhar por suas mãos, ou então largar a rica herança que é incompetente para administrar. À maneira que o tempo se adianta, vai-se tornando uma positiva certeza que todos os grandes recursos da América do Sul entrarão no património da humanidade.»
O Times aqui embrulha-se. Prefiro explicar a sua ideia, a traduzir-lhe a complicada prosa; quer ele dizer que o dia se aproxima em que a civilização não poderá consentir que tão ricos solos, como os dos estados do Sul da América, permaneçam estéreis e inúteis: e que se os possuidores actuais são incapazes de os fazer valer e produzir, para maior felicidade do homem, deveriam então entregá-los a mãos mais fortes e mais hábeis. E o sistema de expropriação por utilidade de civilização. Teoria favorita da Inglaterra e de todas as nações de rapina.
Continua depois o artigo, com ferocidade: «No Peru, na Bolívia, no Paraguai, no Equador, na Venezuela... em outros mais, os actuais ocupadores do solo terão gradualmente de desaparecer e descer àquela condição inferior que o seu fraco temperamento lhes marca como destino. (Nunca se escreveu nada tão ferino!) O povo brasileiro, porém, tem qualidades excelentes e a Inglaterra não chegará prontamente à conclusão de que ele tem de partilhar a sorte de seus febris ou casmurros vizinhos...
Mas dadas as condições do seu solo, o Brasil mesmo tem a escolher entre um semelhante futuro ou então o trabalho, o duro esforço pessoal contra o qual até agora se tem rebelado. Se o seu destino tivesse levado os Brasileiros a outro canto do continente, nem tão largo nem tão belo, poder-se-ia permitir-lhes que passassem a existência numa grande sonolência. Mas ao Brasileiro está confiada a décima quinta parte da superfície do globo: essa décima quinta parte é toda um tesouro de beleza, riquezas e felicidades possíveis; e de tal responsável – tem de subir ou de cair!»
E com esta palavra à Gambeta termino. Já se alonga muito esta carta para que eu a sobrecarregue de comentários à prosa do Times. No seu conjunto é um juízo simpático.
O Times, sendo, por assim dizer, a consciência escrita da classe média da Inglaterra, a mais rica, a mais forte, a mais sólida da Europa, tem uma autoridade formidável; escrevendo para o Brasil eu não podia deixar de recolher as suas palavras – que devem ser naturalmente a expressão do que a classe média da Inglaterra pensa ou vai pensar algum tempo do Brasil. Porque a prosa do Times é a matéria-prima de que se faz em Inglaterra o estofo da opinião.
E reparando agora que, por vezes nestas linhas, fui menos reverente com o Times – murmuro, baixo e contrito, um peccavi...

sábado, 19 de julho de 2014

Teoria do valor - Academia Econômica

Teoria do valor - Academia Econômica



Teoria do valor

Publicado por   12 1309


A compreensão de um todo começa com o entendimento de uma parte. Assim entenderam diversas correntes de pensamento, inclusive na economia. Percebemos a teoria do valor presente em algumas correntes econômicas. A teoria do valor nos indica, entre outras coisas, o que é a riqueza, como mensurá-las e entre outras percepções.
Karl Marx trata em sua obra de uma análise do valor. De maneira sintética, o valor nasce do trabalho, pois Marx entende que é a partir do trabalho que as mercadorias surgem e adquire utilidade para a sociedade. Em sua obra complexa, o autor de “O Capital” explica como as relações de trabalho, produção e circulação se processam e como chegamos à noção de riqueza.
Uma leitura menos preocupada não revela o que essa linha de pensamento implica. Quando Marx propõe que o trabalhador é o criador de valor e consequentemente o de riqueza, ele o coloca em um patamar mais elevado do que vinha apresentado pelas demais teorias até então. Durante sua obra, o autor exalta a importância do operário e argumenta que o mesmo sofre exploração e que o capitalista é o grande beneficiado. Mas em momento nenhum ele propõe uma forma de resolver tais distorções dentro do sistema, pois acredita que o problema é oriundo do próprio sistema capitalista e que deve ser assim. A única solução, portanto, é a mudança do modo de produção.
De outro lado, conhecemos a teoria clássica: a obscura analise de Adam Smith, que confunde por diversas vezes – na visão de alguns autores – valor útil com valor de troca; David Ricardo com sua análise do valor trabalho, que inspirou Marx entre outros autores; e muitos outros autores que discutem o conceito de valor. Mas em sua essência a corrente clássica defende o Valor como utilidade de um bem.
Foram os neoclássicos que revolucionaram a ideia de valor, a teoria da utilidade marginal – apresentada originalmente por Jevons – traçava em modelos matemáticos como se constroem o valor das coisas. O valor não é proveniente do trabalho, pois de nada adianta uma mercadoria que quando produzida não serve para coisa alguma. O valor se constrói na utilidade que cada produto possui para o comprador do mesmo e essa utilidade é um aspecto psicológico e variável.
Parece à primeira vista, que a compreensão desses temas de nada acrescenta a vida prática do universo econômico. Mas, por trás desses conceitos básicos, residem consequências importantes que afetam outras esferas, como a social e política. Dizer que o trabalho compõe o valor de uma mercadoria e que a riqueza é produzida por essa ação indispensável no processo produtivo, implica no aumento da importância do operário para a sociedade. Quando mostramos que esse mesmo elemento indispensável é explorado, incita em corações mais calorosos o espírito de revolução. Bem diferente da teoria marginalista que nos propõe que esse aspecto não é tão importante.
Mas afinal, por que conhecer o que determina ou mesmo o que define o valor de uma mercadoria? – deixando claro que mercadoria aqui pode ser tanto um objeto concreto como abstrato.
Ao percorrer as páginas de “O Capital”, entendemos que o autor faz distinção entre diversos conceitos – apesar a palavra conceito não é muito bem empregada no seu sentido restrito visto que Marx se utiliza do método dialético – valor, valor de troca, valor de uso e preço. Encontramos algumas dificuldades quando tentamos transferir para a nossa realidade tais conceitos, mas não nos prejudica muito a observação da teoria do valor marxista. Se preço é diferente de valor um problema surge. Para que saber o valor de uma mercadoria se nas ações rotineiras nos damos com preço? Acredito que a compreensão do valor e o que o determina, permite entendermos como podemos alterar o mesmo e consequentemente os elementos que a este está relacionado.
Em última instância, percebemos que valor como utilidade se assemelha com a ideia de preço, o que elimina a dificuldade da teoria marxista. A dificuldade surge na confusão entre preço e valor, mas valor, dirá Say, é a medida de utilidade de uma mercadoria que é expressa em preço. Mas o dinheiro também é uma mercadoria, se o preço de um bem é forçado para cima não significa que a utilidade da mercadoria aumentou, mas que o valor do dinheiro diminuiu.
Por trás de elementos simples de uma teoria estão aspectos ideológicos que podem afetar direta ou indiretamente os alcances sociais, políticos e econômicos. Nem tudo pode ser testado ou observado empiricamente. Mas nada, ou quase nada é dito com leviandade.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O BRASIL E PORTUGAL
Eça de Queiróz
Os jornais ingleses desta semana têm-se ocupado prolixamente do Brasil. Um correspondente do Times, encarregado por esta potência de ir fazer pelo continente americano uma «vistoria social» definitiva, deu-nos agora, em artigos repletos e maciços o resultado do seu ano de jornadas e de estudos.
O último artigo é dedicado ao Brasil: eu, que nunca visitei o império, não tenho naturalmente autoridade para apreciar essas revelações (porque o correspondente toma a atitude de um revelador) sobre a religião, a cultura, os produtos, o comércio, a emigração, o carácter nacional, o nível de educação, a situação dos portugueses, a dinastia, a constituição, a república et de omni re braziliensi, e não posso transcrevê-las também porque elas enchem, no Times vasto como é, mais espaço que o próprio Brasil ocupa no território da América do Sul. Esse artigo excitou o interesse e os comentário da Pall-Mall Gazette e de outros jornais, e aí se rompeu a falar do Brasil com simpatia, com curiosidade, com essas admirações ingénuas pela sua rutilante flora, esse pasmo quase assustado pela sua vastidão, que decerto tiveram nossos avós quando o bom
Pedro Álvares Cabral, largando a procurar o Preste João, voltou com a, rara nova das terras entrevistas do Brasil... Devendo mostrar-lhes a opinião presente da Inglaterra sobre o Brasil, desses artigos floridos, escolho o do Times, anotando e glosando o trabalho do seu enviado. (E deste modo respeitoso que se deve falar sempre de um correspondente do Times.)
Começa, pois, o grande jornal da City por dizer – «que a descrição do vasto império do Brasil com que foi fechada a série das cartas sobre o continente americano deve ter feito transbordar o sentimento de admiração pelo esplendor, etc. Seguem-se aqui naturalmente vinte linhas de êxtase: é, em prosa, a ária do quarto acto da Africana, Vasco da Gama de olhos húmidos e coração suspenso no enlevo de tanta flor prodigiosa, de tão raros cantos de aves raras...
Depois vem o espanto clássico pela extensão do império: «Só o simples tamanho de um tal domínio (exclama) na mão de uma diminuta parcela da humanidade é já em si um facto suficientemente impressionador!»
E todavia esta admiração do Times pelo gigante é misturada a um certo patrocínio familiar, de ser superior – que é a atitude ordinária da Inglaterra e da imprensa inglesa para com as nações que não têm duzentos couraçados, um Shakespeare, um Bank of England e a instituição do roast-beef... Neste caso do Brasil, o tom de protecção é raiado de simpatia...
Depois o artigo rompe de novo num hino: «A Natureza no Brasil não necessita do auxílio do homem para se encher de abundâncias e se cobrir de adornos!... Para seu próprio prazer planta, ela mesma, luxuriantes parques! E não há recanto selvagem que não faça envergonhar as mais ricas estufas da Europa...» Isto é decerto exacto: mas o Times, receando que os seus leitores viessem a supor que a Natureza do Brasil está de tal modo repleta, tão indigestamente atestada, que não permite, que se recusa com furor a receber no seu ventre empanturrado uma semente mais sequer – apressa-se a tranquilizá-los: «Mas (diz este sábio jornal judiciosamente) ainda que a Natureza dispense bem todo o trabalho do homem, que outros solos menos generosos requerem para se abrir em flores e frutos – não o repete todavia. Isto sossega os nossos ânimos: ficamos assim certos que nenhum fazendeiro, nos distantes cafezais, ao atirar à terra, a terra-mãe, com a enxada fecundadora, a semente inicial, corre o risco atroz de ser por ela atacado à pedrada ou a golpes de bananeira... Nem outra coisa se podia esperar da doce e pacífica Ceres..
Tendo assim floreado, de penacho oratório ao vento, o Times investe com as ideias práticas. E começa por declarar que, segundo o copioso relatório do seu correspondente, «o que surpreende na América do Sul (se exceptuarmos aquela tira de terra que constitui a República do Chile, e alguns bocados da costa do enorme Império do Brasil) é a grandeza de tais recursos comparada à desapontadora magreza dos resultados». Seria fácil responder com a escassez da população. O Times, de resto, sabe-o bem, porque nos fala logo dessa população nas repúblicas espanholas, mas não a acha escassa; o que a acha é torpe!... A pintura que nos dá do Peru, Bolívia, Equador e consortes e ferina e negra: «Essa gente vive numa indolência vil, que não é incompatível com muita arrogância e muita exagerada vaidade! Desse torpor só rompe, por acesso de frenesi político. Todo o trabalho aí empreendido para fazer produzir a Natureza é dos estrangeiros: os naturais limitam-se a invejá-los, a detestá-los por os verem utilizar oportunidades que eles mesmo não se quiseram baixar a usar!» Isto é cruel: não sei se é justo: mas entre estas linhas palpita todo o rancor de um inglês possuidor de maus títulos peruanos. «E se o nosso correspondente (continua o artigo) oferece de alto o Brasil à nossa admiração, não é em absoluto, é relativamente, em contraste com os países que quase o igualam em vantagens materiais, como o Peru e o Rio da Prata, mas onde a discórdia intestina devora e destrói todo o progresso nascido da actividade estrangeira. O Brasil é português e não espanhol: e isto explica tudo. O seu sangue europeu vem daquela parte da Península Ibérica em que a tradição é a liberdade triunfante e nunca suprimida.» O Times aqui abandona-se com excesso às exigências rítmicas da fase: parece imaginar que desde a batalha de Ourique temos vindo caminhando numa larga e luminosa estrada de ininterrompida democracia!...
Mas, enfim, continua: «Quando o Brasil quebrou os seus laços coloniais não tinha a esquecer feias memórias de tirania e rapacidade nem teve de suprimir genericamente os vestígios de um mau passado.» Com efeito; pobres de nós, nunca fomos decerto para o Brasil senão amos amáveis e timoratos.
Estávamos para com ele naquela melancólica situação de velho fidalgo, solteirão arrasado, desdentado e trôpego, que treme e se baba diante de uma governanta bonita e forte. Nós verdadeiramente é que éramos a colónia: e era com atrozes sustos do coração que, entre uma salve-rainha e um lausperene, estendíamos para lá a mão à esmola...
O Times prossegue: «Ainda que independente, o Brasil ficou português de nacionalidade e semieuropeu de espírito. Pelo simples facto de se sentir português, o povo brasileiro teve, e conserva, o instinto do grande dever que lhe incumbe: tirar o partido mais nobre da sua nobre herança... Sejam quais tenham sido os erros de Portugal, não se pode dizer que se tenha jamais contentado com o mero número das suas possessões, sem curar de lhes extrair os proventos O Times aqui dormita, como o secular Homero.
E justamente o que nos preocupa, o que nos agrada, o que nos consola é contemplar simplesmente o número das nossas possessões: pôr-lhes o dedo em cima, aqui e além, no mapa; dizer com voz de papo, ore rotundo: «Temos oito; temos nove, somos uma nação colonial, somos um génio marítimo!...» Enquanto a extrair-lhes os proventos, na frase judiciosa do Times, desses detalhes miseráveis não cura o pretor nem os netos de Afonso de Albuquerque!... Mas prossegue o Times. «O império colonial de Portugal talvez tenha sido outrora caracterizado por desfortuna – quase nunca por estagnação.» Talvez é bom: com o império do Oriente, no nosso passado, que é um dos mais feios monumentos de ignomínia de todas as idades... Continuemos.
«Do sentido donde o Brasil deriva a sua actividade deriva também (o que não é menos importante) o respeito pela opinião da Europa. O vadio das ruas de Lima, de Caracas ou de Buenos Aires nutre um soberano desprezo pelos juízos que a Europa possa formar das suas tragicomédias políticas... Não tem consciência de coisa alguma, a não ser do seu sangue castelhano... Sente decerto o inconveniente de ser expulso do crédito e das bolsas da Europa... Mas avalia esta circunstância apenas pelos embaraços momentâneos que ela lhe traz. O financeiro brasileiro, porém, esse presta uma tão respeitosa atenção ao temperamento das bolsas de Paris e Londres como ao da mesma praça do Rio de Janeiro...» O Times vê neste sintoma a consideração que o Brasil tem pela opinião da Europa.
Mas onde o Times se engana é quando pretende que o Brasil deve ao seu sangue português esta bela qualidade de obedecer aos juízos do mundo civilizado. Não há pais no universo onde se despreze mais, creio eu, o julgamento da Europa que em Portugal: nesse ponto somos como o vadio das ruas de Caracas, que o Times tão pitorescamente nos apresenta: porque eu chamo desdenhar a opinião da Europa não fazer nada para lhe merecer o respeito. Com efeito, o juízo que de Badajoz para cá se faz de Portugal não nos é favorável, nós sabemo-lo bem – e não nos inquietamos! Não falo aqui de Portugal como Estado político. Sob esse aspecto gozamos uma razoável veneração. Com isto, nós não trazemos à Europa complicações importunas; mantemos dentro da fronteira uma ordem suficiente: a nossa administração é correctamente liberal; satisfazemos com honra os nossos compromissos financeiros.
Somos o que se pode dizer um povo de bem, um povo boa pessoa. E a nação, vista de fora e de longe, tem aquele ar honesto de uma pacata casa de província, silenciosa e caiada, onde se pressente uma família comedida, temente a Deus, de bem com o regedor e com as economias dentro de uma meia... A Europa reconhece isto: e todavia olha para nós com um desdém manifesto. Porquê? Porque nos considera uma nação de medíocres: digamos francamente a dura palavra – porque nos considera uma raça de estúpidos. Este mesmo Times, este oráculo augusto, já escreveu que Portugal era intelectualmente tão caduco, tão casmurro, tão fóssil, que se tornara um país bom para se lhe passar muito ao largo e atirar-lhe pedras (textual).
O Daily Telegraph já discutiu em artigo de fundo este problema: se seria possível sondar a espessura da ignorância lusitana! Tais observações, além de descorteses, são decerto perversas. Mas a verdade é que numa época tão intelectual, tão crítica, tão científica como a nossa, não se ganha a admiração universal, ou se seja nação ou indivíduo, só com ter propósito nas ruas, pagar lealmente ao padeiro e obedecer, de fronte curva, aos editais do Governo Civil. São qualidades excelentes mas insuficientes.
Requer-se mais: requer-se a forte cultura, a fecunda elevação de espírito, a fina educação do gosto, a base científica e a ponta de ideal que em França, na Inglaterra, na Alemanha, inspiram na ordem intelectual a triunfante marcha para a frente; e nas nações de faculdades menos criadoras, na pequena Holanda ou na pequena Suécia, produzem esse conjunto eminente de sábias instituições que são, na ordem social, a realização das formas superiores do pensamento.
Dir-me-ão que eu sou absurdo ao ponto de querer que haja um Dante em cada paróquia e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos tortulhos. Bom Deus, não! Eu não reclamo que o país escreva livros, ou que faça artes: contentar-me-ia que lesse os livros que já estão escritos e que se interessasse pelas artes que já estão criadas. A sua esterilidade assusta-me menos que o seu indiferentismo. O doloroso espectáculo é vê-lo jazer no marasmo, sem vida intelectual, alheio a toda a ideia nova, hostil a toda a originalidade, crasso e mazorro, amuado ao seu canto, com os pés ao sol, o cigarro nós dedos e a boca às moscas... E isto o que punge.
E o curioso é que o país tem a consciência muito nítida deste torpor mortal e do descrédito universal que ele lhe atrai. Para fazer vibrar a fibra nacional, por ocasião do centenário de Camões, o grito que se utilizou foi este: «Mostremos ao mundo que ainda vivemos, que ainda temos uma literatura!»
E o país sentiu asperamente a necessidade de afirmar alto à Europa que ainda lhe restava um vago clarão dentro do crânio. E o que fez? Encheu as varandas de bandeirolas e rebentou de júbilo a pele dos tambores. Feito o que – estendeu-se de ventre ao sol, cobriu a face com o lenço de rapé e recomeçou a sesta eterna. Donde eu concluo que Portugal, recusando-se ao menor passo nas letras e na ciência para merecer o respeito da Europa inteligente, mostra, à maneira do vadio de Caracas, o desprezo mais soberano pelas opiniões da civilização. Se o Brasil, pois, tem essa qualidade eminente de se interessar pelo que diz o mundo culto, deve-o às excelências da sua Natureza, de modo nenhum ao seu sangue português: como português, o que era lógico que fizesse era voltar as costas à Europa, puxando mais para as orelhas o cabeção do capote...
Mas retrocedendo ao artigo do Times: a conclusão da sua primeira parte é que «em riqueza e aptidões, o Brasil leva gloriosamente a palma às outras nacionalidades da América do Sul». Todavia, o Times observa no Brasil circunstâncias desconsoladoras: «Doze milhões de homens estão perdidos num estado maior que toda a Europa: a receita pública, que é de doze milhões de libras esterlinas, é muitos milhões inferior à da Holanda e à da Bélgica; com uma linha de costa de quatro mil milhas de comprimento, e com pontos de uma largura de duas mil e seiscentas milhas, o Brasil exporta, em valor de géneros, a quarta parte menos que o diminuto reino da Bélgica.» O Times, todavia, tem a generosidade de admitir que nem a densidade de população, nem o total das receitas, nem a cifra das exportações constituem a felicidade de um povo e a sua grandeza moral. A Suíça, que tem dois milhões de habitantes e justamente os mesmos dois milhões (em libras) de receita, vive em condições de prosperidade, de liberdade, de civilização, de intelectualidade bem superiores à tenebrosa Rússia, com os seus oitenta milhões de libras de receita e os mesmos oitenta milhões em homens. «Todavia (continua o Times), se a escassez da população, de rendimento e de comércio não colocam o Brasil num estado de adversidade são uma prova que faltam a esse povo algumas das qualidades que fazem a grandeza das nações.
Que os colonizadores portugueses, apenas apoiados pelo pequeno trono português, tivessem feito da metade do novo mundo que lhes concedeu o papa Alexandre mais que os colonizadores espanhóis, que tiravam a sua força da grande nação de Espanha, é uma coisa que prova a favor do sangue português comparado com o sangue castelhano, andaluz ou aragonês. Mas que as conquistas feitas no Brasil à Natureza sejam tão insignificantes e tão vastos os espaços que permanecem não só inconquistados mas desamparados – indica que são análogos os defeitos da colónia espanhola e da colónia portuguesa..
O resto do artigo é mais sério; e eu devo transcrevê-lo sem interrupção. «O Brasileiro não é, como o Peruano ou Boliviano, altivo de mais, ou preguiçoso de mais para se dignar reparar nos meios de riqueza e de grandeza tão .prodigamente espalhados em torno de si. Não; o Brasileiro tem energia suficiente para ambicionar e para calcular. A sua atenção está fixa nas férteis regiões do interior. Desejaria bem ver a rede dos seus rios navegáveis cobertos de barcos e vapores. Sucede mesmo que, nos pontos mais ricos da costa, o habitante queixa-se que uma excessiva porção dos impostos com que é sobrecarregado vai ser gasta em colossais trabalhos empreendidos em vantagem de remotas e incultas regiões que nunca, ou ao menos só daqui a longos anos, poderão aproveitar com eles. Mas em todo o caso o Brasil sente em si força suficiente para dar ao seu vasto território os benefícios de uma sábia administração.»
O Times aqui tem um pequeno período aludindo à nobre ambição que têm os Brasileiros de fazer tudo por si mesmos; vendo com aborrecimento as grandes obras entregues à perícia estrangeira, preferindo os esforços da ciência e do talento nacionais, ainda mesmo quando eles falham, custando ao país milhões perdidos... Depois prossegue:
«Mas enquanto o Brasileiro se mostra assim, em teorias políticas e administrativas, ansioso por fomentar ele mesmo, eles mesmos fazerem todas as obras dos seus cinco milhões de milhas quadradas – as suas mãos repugnam a agarrar o cabo da enxada, ou tomar a rabiça do arado, que é justamente o serviço que a Natureza reclama dele. Num continente que depois de três séculos e meio continua a ser um torrão novo, a grandeza das repúblicas ou dos impérios depende exclusivamente do trabalho manual. Italianos, alemães, negros, têm sido, estão sendo importados para fazerem o trabalho duro que repugna aos senhores do solo. Mas, inaclimatados em certos distritos, eles nunca poderiam labutar como os naturais dos trópicos. Nem mesmo nas províncias mais temperadas do império jamais os imigrantes trabalharão resolutamente – até que o exemplo lhes seja dado pela população indígena, senhora da terra. O Brasileiro ou tem de trabalhar por suas mãos, ou então largar a rica herança que é incompetente para administrar. À maneira que o tempo se adianta, vai-se tornando uma positiva certeza que todos os grandes recursos da América do Sul entrarão no património da humanidade.»
O Times aqui embrulha-se. Prefiro explicar a sua ideia, a traduzir-lhe a complicada prosa; quer ele dizer que o dia se aproxima em que a civilização não poderá consentir que tão ricos solos, como os dos estados do Sul da América, permaneçam estéreis e inúteis: e que se os possuidores actuais são incapazes de os fazer valer e produzir, para maior felicidade do homem, deveriam então entregá-los a mãos mais fortes e mais hábeis. E o sistema de expropriação por utilidade de civilização. Teoria favorita da Inglaterra e de todas as nações de rapina.
Continua depois o artigo, com ferocidade: «No Peru, na Bolívia, no Paraguai, no Equador, na Venezuela... em outros mais, os actuais ocupadores do solo terão gradualmente de desaparecer e descer àquela condição inferior que o seu fraco temperamento lhes marca como destino. (Nunca se escreveu nada tão ferino!) O povo brasileiro, porém, tem qualidades excelentes e a Inglaterra não chegará prontamente à conclusão de que ele tem de partilhar a sorte de seus febris ou casmurros vizinhos...
Mas dadas as condições do seu solo, o Brasil mesmo tem a escolher entre um semelhante futuro ou então o trabalho, o duro esforço pessoal contra o qual até agora se tem rebelado. Se o seu destino tivesse levado os Brasileiros a outro canto do continente, nem tão largo nem tão belo, poder-se-ia permitir-lhes que passassem a existência numa grande sonolência. Mas ao Brasileiro está confiada a décima quinta parte da superfície do globo: essa décima quinta parte é toda um tesouro de beleza, riquezas e felicidades possíveis; e de tal responsável – tem de subir ou de cair!»
E com esta palavra à Gambeta termino. Já se alonga muito esta carta para que eu a sobrecarregue de comentários à prosa do Times. No seu conjunto é um juízo simpático.
O Times, sendo, por assim dizer, a consciência escrita da classe média da Inglaterra, a mais rica, a mais forte, a mais sólida da Europa, tem uma autoridade formidável; escrevendo para o Brasil eu não podia deixar de recolher as suas palavras – que devem ser naturalmente a expressão do que a classe média da Inglaterra pensa ou vai pensar algum tempo do Brasil. Porque a prosa do Times é a matéria-prima de que se faz em Inglaterra o estofo da opinião.
E reparando agora que, por vezes nestas linhas, fui menos reverente com o Times – murmuro, baixo e contrito, um peccavi...

sábado, 19 de julho de 2014

Teoria do valor - Academia Econômica

Teoria do valor - Academia Econômica



Teoria do valor

Publicado por   12 1309


A compreensão de um todo começa com o entendimento de uma parte. Assim entenderam diversas correntes de pensamento, inclusive na economia. Percebemos a teoria do valor presente em algumas correntes econômicas. A teoria do valor nos indica, entre outras coisas, o que é a riqueza, como mensurá-las e entre outras percepções.
Karl Marx trata em sua obra de uma análise do valor. De maneira sintética, o valor nasce do trabalho, pois Marx entende que é a partir do trabalho que as mercadorias surgem e adquire utilidade para a sociedade. Em sua obra complexa, o autor de “O Capital” explica como as relações de trabalho, produção e circulação se processam e como chegamos à noção de riqueza.
Uma leitura menos preocupada não revela o que essa linha de pensamento implica. Quando Marx propõe que o trabalhador é o criador de valor e consequentemente o de riqueza, ele o coloca em um patamar mais elevado do que vinha apresentado pelas demais teorias até então. Durante sua obra, o autor exalta a importância do operário e argumenta que o mesmo sofre exploração e que o capitalista é o grande beneficiado. Mas em momento nenhum ele propõe uma forma de resolver tais distorções dentro do sistema, pois acredita que o problema é oriundo do próprio sistema capitalista e que deve ser assim. A única solução, portanto, é a mudança do modo de produção.
De outro lado, conhecemos a teoria clássica: a obscura analise de Adam Smith, que confunde por diversas vezes – na visão de alguns autores – valor útil com valor de troca; David Ricardo com sua análise do valor trabalho, que inspirou Marx entre outros autores; e muitos outros autores que discutem o conceito de valor. Mas em sua essência a corrente clássica defende o Valor como utilidade de um bem.
Foram os neoclássicos que revolucionaram a ideia de valor, a teoria da utilidade marginal – apresentada originalmente por Jevons – traçava em modelos matemáticos como se constroem o valor das coisas. O valor não é proveniente do trabalho, pois de nada adianta uma mercadoria que quando produzida não serve para coisa alguma. O valor se constrói na utilidade que cada produto possui para o comprador do mesmo e essa utilidade é um aspecto psicológico e variável.
Parece à primeira vista, que a compreensão desses temas de nada acrescenta a vida prática do universo econômico. Mas, por trás desses conceitos básicos, residem consequências importantes que afetam outras esferas, como a social e política. Dizer que o trabalho compõe o valor de uma mercadoria e que a riqueza é produzida por essa ação indispensável no processo produtivo, implica no aumento da importância do operário para a sociedade. Quando mostramos que esse mesmo elemento indispensável é explorado, incita em corações mais calorosos o espírito de revolução. Bem diferente da teoria marginalista que nos propõe que esse aspecto não é tão importante.
Mas afinal, por que conhecer o que determina ou mesmo o que define o valor de uma mercadoria? – deixando claro que mercadoria aqui pode ser tanto um objeto concreto como abstrato.
Ao percorrer as páginas de “O Capital”, entendemos que o autor faz distinção entre diversos conceitos – apesar a palavra conceito não é muito bem empregada no seu sentido restrito visto que Marx se utiliza do método dialético – valor, valor de troca, valor de uso e preço. Encontramos algumas dificuldades quando tentamos transferir para a nossa realidade tais conceitos, mas não nos prejudica muito a observação da teoria do valor marxista. Se preço é diferente de valor um problema surge. Para que saber o valor de uma mercadoria se nas ações rotineiras nos damos com preço? Acredito que a compreensão do valor e o que o determina, permite entendermos como podemos alterar o mesmo e consequentemente os elementos que a este está relacionado.
Em última instância, percebemos que valor como utilidade se assemelha com a ideia de preço, o que elimina a dificuldade da teoria marxista. A dificuldade surge na confusão entre preço e valor, mas valor, dirá Say, é a medida de utilidade de uma mercadoria que é expressa em preço. Mas o dinheiro também é uma mercadoria, se o preço de um bem é forçado para cima não significa que a utilidade da mercadoria aumentou, mas que o valor do dinheiro diminuiu.
Por trás de elementos simples de uma teoria estão aspectos ideológicos que podem afetar direta ou indiretamente os alcances sociais, políticos e econômicos. Nem tudo pode ser testado ou observado empiricamente. Mas nada, ou quase nada é dito com leviandade.
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quinta-feira, 10 de julho de 2014

SENSO INCOMUM

Não havia provas, mas a juíza disse: “testemunhei os fatos”! E cassou o réu!



Ainda e sempre o problema do ativismo
Hoje voltarei a um assunto que tem me deixado intrigado. Podem dizer que sou um chato (epistêmico). Mas não é implicância minha. Vejam que o ataque ao ativismo não é só meu. O Néviton Guedes, na coluna desta semana, criticou fortemente esse fenômeno. O que vocês lerão é apenas a ponta do iceberg que é o ativismo que domina parcela da aplicação do direito em terrae brasilis. Está na hora de assumirmos posição acerca do que queremos para o direito. Semana a semana, bato nessa tecla. Por vezes, dá-me a impressão que falo ao vento Por isso a coluna do Néviton foi uma boa aragem; do mesmo modo, os bons ventos que vem da coluna Diário de Classe todas as semanas, opondo-se ao ativismo). E que o direito, de fato, não é um espaço para reflexão, sendo apenas uma mera (ir)racionalidade instrumental, com o qual se faz qualquer coisa. Mas qualquer coisa mesmo. Onde o almoço é motivo para decidir para lá e para cá.
Denunciei, aqui, a inconstitucionalidade flagrante do artigo 23 da LC 64 (Lei Eleitoral). E “ouvi” um silencio retumbante da comunidade jurídica. Todo mundo parece achar normal que, em uma democracia, possa ser crível que uma lei diga que
“O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Não obtive apoio na e da doutrina de Pindorama.[1] Clamei, dizendo: doutrina, doutrina, onde estás que não respondes?, mas nada ocorreu. Resultado: o Supremo Tribunal Federal considerou o tal dispositivo constitucional, no julgamento da ADI 1.082. Isso fez com que eu escrevesse nova coluna, criticando — com toda lhaneza — a decisão do Pretório Excelso.
Perguntava eu, então: Pode o juiz, na democracia, formular presunções mediante raciocínios indutivos feitos a partir da prova indiciária?
Qual é o problema de induções e julgamentos por presunções? Um, não. Vários. O principal deles é que, em julgamentos por presunções, o pobre do utente não pode provar o contrário. Ele é culpado de plano, só porque só-podia-ser-ele e que “todo-mundo-sabe-que-foi-assim”. O juiz já formou a convicção...por presumir que ele é culpado! Bingo!
Dizia eu também: o que é isso, o “interesse público de lisura eleitoral”, que tudo justifica? Quem dirá o que interessa ao público? Vejam a fragilidade normativa de um dispositivo desse tipo. Substitua-se por “o juiz decidirá conforme a sua consciência e da forma que melhor atenda ao interesse público de lisura eleitoral”, e não haverá nenhuma diferença relevante da situação atual. Se o juiz está autorizado a decidir com base em indícios e presunções, e se é ele mesmo quem decide como e quando deve fazê-lo, estamos simplesmente dependentes não de uma estrutura e, sim, de um olhar individual.
É a antiteoria da decisão jurídica. Uma decisão assim não é produzida no ambiente democrático do processo, mas no terreno solitário da mente judicial. O fato de ela ser “jogada” num processo, e de se submeter “aos recursos inerentes à legislação processual” não é o suficiente para salvá-la. A decisão democrática deve ser precedida de debate em contraditório, pois não? Com a palavra, os processualistas e constitucionalistas! Bem, o resto leiam ou releiam a coluna que tratou do assunto.
Eu avisei...
Pois vejam o que aconteceu. Leiam parte da decisão a seguir e verão o ovo da serpente que está em gestação, graças ao artigo 23 da LC 64, monumento à não democracia.
Ei-la:
"Cumpre ressaltar a dicção do art. 23 da Lei Complementar no 64/1990, que autoriza o julgador a formar sua convicção ‘pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral’.
Em sintonia com este comando legal, saliento que esta julgadora estava diuturnamente presente na Comarca e, acompanhou de perto todo o pleito eleitoral de 2012, presenciando a dificuldade dos investigantes, para comprovar os ilícitos praticados pelos investigados, durante todo o período eleitoral, demonstrado com a propositura de várias ações cautelares. (...)[2]grifei
Quero dizer, antes de tudo, que não me importa se o candidato - esse que se ferrou - é ou não inocente. Isso é irrelevante. O que importa é saber que a juíza colocou nos autos sua opinião pessoal, extraída de sua subjetividade e sua apreciação pessoal dos fatos. Mesmo que os autos não retratassem isso, ela, em outras palavras, disse que não importa se ficou ou não provada a culpa do réu; o que importa é que “eu-sei-que-ele-é-culpado”. E por quê? Porque sim.
Digo eu: E daí? Juiz que testemunha os fatos não pode julgá-los. Ele pode. No máximo, ser arrolado como testemunha. E testemunha não julga. Simples, pois. Mas, de onde vem essa “possibilidade de ir-além-da-prova-provada”? Simples: Da disposição da malsinada Lei Eleitoral. Sim, a mesma lei que diz que podem ser usados presunções e fazer induções. É preciso dizer mais?
Vou me abster de seguir o comentário. Vou repetir um dos meus poetas preferidos, T. S. Eliot: em um país de fugitivos, quem anda na contramão...parece que está fugindo. Sigo acreditando que o direito é um fenômeno complexo. E que decisão não é escolha, conforme explicito amiúde em Verdade e Consenso e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica.Fosse escolha, estaríamos (embora lamentavelmente estejamos) à mercê das opiniões pessoais dos julgadores. E, cá para nós, decisão também não é opinião. Decisão é um ato de responsabilidade política. Tenho, no mínimo, umas oito colunas que tratam disso nos últimos dois anos.
Retorno, para dizer, numa palavra, que essa questão da decisão jurídica é tão importante que deveria ser transformado em disciplina nas Faculdades de Direito. E essa discussão sobre o artigo 23 da LC 64, que deu azo à decisão acima comentada, é — no plano da filosofia e da teoria do direito - tão singela quanto saber que, fosse o Tribunal uma junta médica e aparecesse um paciente sangrando, seria óbvio que a única coisa que não poderia ser ministrada ao infeliz era um anticoagulante. Se me entendem a alegoria (ou simplesmente a ironia).
E por que ela é singela? Porque na democracia só vale a prova submetida ao contraditório e não à presunção do julgador. Ora, de que vale o trabalho do advogado se, na hora “h”, o julgador pode sacar da manga do colete uma katchanga “real” do tipo “embora não haja provas, eu sei que foi assim”. A propósito: leiam de novo essa coluna da Katchanga. Eis as razões de minha chatice epistêmica. De todas as quintas-feiras.

[1] Como já referi, há dois alunos do Programa de Pós-Graduação da Unisinos tratando desse assunto (Margarete Coelho, orientada pelo Prof. Dr. Anderson Teixeira) e Alexandre Nogueira, orientado por mim.
[2] O processo versava sobre irregularidades do candidato e então prefeito de um município da Bahia, que acabou não se elegendo por uma diferença de 96 votos. Autos no 396-31.2012.6.05.0091 e no 394-61.2012.6.05.0091. Sentença de 2014.



 é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

http://blog.planalto.gov.br/valor-investido-em-educacao-e-saude-e-212-vezes-maior-que-o-investido-nos-estadios/
Segunda-feira, 16 de junho de 2014 às 9:54

Valor investido em educação e saúde é 212 vezes maior que o investido nos estádios

Café com a presidenta
Com R$ 1,7 trilhão, o total de recursos aplicado nas áreas deEducação e Saúde, de 2010 até 2013, supera em 212 vezes o investimento em estádios da Copa do Mundo. Esta foi a mensagem do pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff, reforçado no Café com a Presidenta desta segunda-feira (16), em que ela rebate críticas sobre o investimento no mundial.
“Vale lembrar ainda que os orçamentos da saú

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Política Com Feichas Martins: Monarquistas rearticulam restauração no Brasil

Política Com Feichas Martins: Monarquistas rearticulam restauração no Brasil: Os monarquistas brasileiros, aproveitando a geléia geral de partidos políticos, voltam a se mobilizar para criar sua sigla, no próximo d...

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Getúlio Vargas e o sonho brasileiro, por Léo de Almeida Neves

Publicado por Partido Democrático Trabalhista (extraído pelo JusBrasil) - 4 anos atrás
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Por problema de saúde o ex-deputado Léo de Almeida Neves não pôde proferir a palestra no seminário do PDT de Curitiba, nesta segunda-feira, quando constava como convidado especial ao lado do engenheiro Carlos Ezydio Bruni (ex-diretor e conselheiro da Petrobrás), mas designou para representá-lo seu amigo de longos anos Valmor Stédile, membro do Diretório Nacional do PDT e editor da Rede PDT. No blog do deputado federal Brizola Neto (RJ) Stédile fala a respeito e procura tranquilizar os companheiros informando que Léo recebeu alta no dia seguinte, retornando às suas atividades normais em São Paulo.
(Palestra de Léo de Almeida Neves, em 14.09.2009, às 19 horas, no auditório do Instituto Wilson Picler, promovida pelo PDT de Curitiba)
GETÚLIO VARGAS E O SONHO BRASILEIRO
Léo de Almeida Neves
O “sonho brasileiro” de justiça social, emancipação econômica, soberania, grandeza e ideal de transformar o país em potência mundial tem um símbolo a ser reverenciado sempre, Getúlio Dornelles Vargas.
A Revolução de 30 é um divisor histórico na Pátria brasileira, deixando para traz o Brasil arcaico, feudal, produtor de bens primários, profundamente desigual socialmente e que não reconhecia os direitos mais elementares da maioria da população. Ela cumpriu fielmente seus compromissos democráticos de introduzir o voto secreto e universal, de assegurar o direito de voto às mulheres e de criar a Justiça Eleitoral.
Enfatizo que o “sonho brasileiro” está personificado nas idéias e na obra política social e econômica de Getúlio Vargas, que teve como sucessores as lideranças inquestionáveis de João Goulart, Alberto Pasqualini, Darcy Ribeiro e Leonel Brizola.
Quanto mais passa o tempo, agiganta-se a recordação das iniciativas pioneiras e das realizações concretas de Getúlio Vargas em prol do Brasil e da nossa gente.”
Getulio Vargas assumiu o poder em 03 de novembro de 1930 e já no dia 26 do mesmo mês decretou a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Depois, sucederam-se muitas medidas de proteção ao trabalhador: Decreto nº 19.482, 12.12.1930, lei dos 2/3; nº 19.808, 28.03.1931, novas modalidades de concessão de férias; nº 21.175, de 21 de março de 1932, institui a Carteira Profissional do Trabalho, retirando os conflitos de patrões e empregados das delegacias de polícia. No documento constava a ocupação do trabalhador, seu salário e o direito de filiar-se a um sindicato, dados pessoais, representando o reconhecimento de sua cidadania; decretos nºs 21.186, 23.03.1932 (alterado pelo dec. nº 22.033, de 29.01.1932), e nº21.364, de 04.05.1932, regularizando horário de trabalho do comércio e na indústria; decreto nº 21.417 A, de 17.05.1932, regulariza condições de trabalho das mulheres na indústria e no comércio; decreto nº 21.761, de 23.08.1932, institui a Convenção Coletiva do Trabalho; decreto nº 22.042, de 03.11.1932, disciplina condição de trabalho dos menores na indústria.
Vejam que em curto lapso de tempo, Getulio Vargas assegurou direitos aos trabalhadores, às mulheres e aos menores na indústria e no comércio e instituiu a Convenção Coletiva do Trabalho.
Sobre férias e duração de horário de trabalho, para diversas categorias profissionais, Getulio Vargas editou 14 decretos nos anos 1933 e 1934, que não enumerarei para não cansar o auditório.
Em 1935, Getulio promulgou 4 projetos de Convenção, aprovados pela Organização Internacional do Trabalho da Liga das Nações, sobre emprego das mulheres antes e depois do parto; trabalho noturno das mulheres; idade mínima e trabalho noturno de menores de idade na indústria.
Pela Lei 185, de 14 de janeiro de 1936, instituiu as Comissões de Salário Mínimo, regulamentadas pelo decreto nº 399, de 30.04.1938. A Lei 505, de 16.06.1938, estendeu os direitos trabalhistas aos empregados de usinas de açúcar e fábricas de álcool e aguardente.
O decreto-lei nº 910, de 30.11.1938, dispôs sobre o trabalho em empresas jornalísticas e o decreto-lei nº 843 de 07.12.1939 sobre nacionalização do trabalho e proteção ao trabalhador nacional (nova Lei dos 2/3).
Importante decreto-lei nº 162, de 1º de maio de 1940, instituiu o salário mínimo, com valor real que representa o dobro do atualmente vigente. O decreto-lei nº 308, de 16.06.1940, tratou da duração legal do trabalho de oito horas.
Na área da previdência social, o decreto nº 20.459, de 30.09.1931, dá competência às Caixas de Aposentadoria e Pensão para pagar inativos; o decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933, criou o IAPM, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos; o decreto nº 24.273, de 22 de maio de 1934, criou o IAPC, dos comerciários, o decreto nº 24.615, de 08 de julho de 1934, o dos bancários. O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) foi criado em 31 de dezembro de 1936, pela lei 367. O IPASE, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Servidores do Estado, foi criado pelo decreto-lei nº 288, de 23 de fevereiro de 1938, e o IAPFESP (dos ferroviários) em 12.11.1953 pelo decreto nº 34.586.
Fundamental, para assegurar os direitos dos trabalhadores foi a criação da Justiça do Trabalho pelo decreto-lei nº 1.237, de 02 de maio de 1939, precedido pelas Comissões Mistas de Conciliação, criadas pelo decreto nº 21.396, de 12 de maio de 1932, e pelas Juntas de Conciliação e Julgamento, instituídas pelo decreto nº 22.132, de 25 de novembro de 1932.
Getulio Vargas cumpriu integralmente os compromissos assumidos pela Revolução de 1930 de assegurar direitos aos assalariados, mediante notável legislação social e trabalhista, com passo inicial na criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio treze dias após sua posse na Presidência da República, e ponto culminante na Consolidação das Leis do Trabalho, pelo decreto-lei 5.452, em 1º de maio de 1943.
É preciso desfazer o equívoco, repetido à exaustão, de que a Consolidação das Leis do Trabalho, com 66 anos de vigência é cópia da Carta Del Lavoro de Benito Mussolini.
Ninguém tem mais autoridade para discorrer sobre esse assunto e dar interpretação fidedigna do que o Dr. Arnaldo Süssekind, membro da Comissão que elaborou a CLT, ex-Ministro do Trabalho e ex-Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Disse o consagrado jurista em entrevista ao Jornal do Brasil de 10 de abril de 1999: “o arcabouço legal reunido por Getúlio Vargas na Consolidação das Leis do Trabalhoinspirou-se nas Convenções da OIT, na Encíclica Rerum Novarum e nas proposições do 1º Congresso Brasileiro de Direito Social (São Paulo, 1941). A CLT não é cópia da Carta Del Lavoro, do fascismo italiano, que possui apenas 14 normas sobre Direito do Trabalho, enquanto a CLT tem 922 artigos”.
O neoliberalismo do governo Fernando Henrique Cardoso tentou em 2002 aprovar lei “sobrepondo à CLT acordos e convenções coletivas entre patrões e empregados”, sob o pretexto de promover a flexibilização para preservar empregos com Carteira Profissional assinada.
O Brasil saldou todos seus débitos com o FMI, mais é sabido que este organismo, bem assim o Banco Mundial, preconizam o fim da Justiça do Trabalho, cujas tarefas seriam transferidas à Justiça comum e fortalecidas as Comissões de Conciliação Prévia entre empregadores e empregados, “para evitar contendas desnecessárias”.
Revogar artigos da CLT que respaldam direitos dos assalariados, trocando-os por Acordos e Convenções Coletivas, a serem homologadas entre Sindicatos Patronais e de Trabalhadores (alguns de pouca representatividade), deixarão estes em posição de fragilidade, devido ao enorme desemprego vigente no país, que poderá influir na aceitação de cláusulas excludentes de benefícios.
Vou alinhar alguns tópicos em que os “Acordos” poderão sobrepor-se ao manto protetor da CLT: 1- O direito de férias poderá ser alterado quanto ao período de aquisição (1 ano), ao parcelamento (não inferior a 10 dias), ao acréscimo (um terço), ao gozo das férias (até 12 meses depois do período de aquisição); 2- O atual prazo de experiência é de 90 dias, e o “acordo” poderá esticá-lo, digamos, a 180 ou 365 dias; 3- Os amplos direitos consagrados à mulher, em Capítulo Especial da CLT, poderão tornar-se letra morta; 4- A conceituação de horário noturno, das 22 horas às 5 horas do dia seguinte, poderá ruir; 5- O trabalhador recebe em dinheiro, mas poderá mesclar salário com produto; 6- O pagamento de “horas extras” poderá ser convencionado para o fim do semestre; 7- Redução do intervalo mínimo de 1 hora de almoço para 30 minutos; 8- Diminuição da remuneração mínima de 20% a maior no trabalho noturno; 9- Encurtamento do intervalo mínimo entre jornadas de trabalho.
Enfim, qualquer mudança da CLT não deve reduzir benefícios do elo mais frágil da corrente social, que são os assalariados em geral.
O inequívoco é que antes de 30, o trabalhador não gozava de direito algum. O Brasil é único exemplo em que o gozo de férias, jornada diária de 8 horas, salário mínimo, registro em Carteira do Trabalho e outras conquistas trabalhistas não resultaram de greves, passeatas e pressões de Sindicatos e, sim, vieram sendo gradativamente outorgadas pela vontade do Chefe da Nação.
Abordarei agora outros temas. Faz muito tempo que público na imprensa artigos sobre o inolvidável estadista, por ocasião do aniversário do sacrifício de sua própria vida, em 24 de agosto de 1954. Neste ano, o Jornal do Brasil, Gazeta do Povo, Estado do Paraná, O Paraná e outros jornais publicaram “Getúlio Vargas, o Inovador” do qual reproduzo alguns trechos:
“Vou recordar feitos de menor destaque, porém de relevante significado para a coletividade. Em 22 de janeiro de 1942, Getúlio assinou o decreto-lei 4.048 instituindo o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (SENAI), subordinado à Confederação Nacional da Indústria, com as competências de organizar em todo o país escolas de aprendizagem para capacitar operários, ministrar ensino continuado, aperfeiçoamento e especialização de mão de obra. Ele atendia a um pleito de Euvaldo Lodi, presidente da CNI, e Roberto Simonsen, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), líderes empresariais que aprovavam a política nacionalista de Vargas.
Fato digno de nota foi a decretação da moratória da dívida externa em 1931/32, que resultou no cancelamento de mais de 50% da mesma, uma vez que na auditoria procedida constatou-se que somente 40% dos contratos estavam documentados. A propósito, assinale-se o descumprimento de norma da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 que determina no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “no prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão Mista, exame analítico e parcial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”. Que diferença com a ação empreendida por Getúlio Vargas!
É inesgotável a contribuição de Getúlio Vargas em todas as áreas da vida nacional. Na cultura popular, oficializou na década de 30 as escolas de samba, incluindo as regras de competição para o carnaval, como a seleção de temas históricos para os enredos e as fantasias. Ele foi entusiasta do teatro e dos shows musicais, comparecendo a inúmeros espetáculos, aplaudindo os artistas e cumprimentando-os pessoalmente. Deu ênfase igualmente à música erudita, prestigiando e divulgando ao público brasileiro as composições de Villa-Lobos, autor de renome internacional.
Trechos de outros artigos:
“Getúlio Vargas político exemplar
Nestes tempos de aviltamento e descrédito dos políticos e das instituições, avulta a personalidade de Getúlio Vargas, que governou o Brasil por 19 anos e dedicou-se à política durante 37 anos (governador do Rio Grande do Sul, Ministro da Fazenda, deputado estadual e federal, senador), deixando exemplos de honorabilidade, virtudes republicanas e total consagração aos interesses do povo e da Nação.
Os 55 anos decorridos do suicídio do estadista - o mais trágico episódio da história nacional - revelaram de maneira inquestionável que os filhos de Dna. Darcy e de Getúlio (Lutero, médico e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro, Alzira, advogada, Jandira, do lar, Manoel, engenheiro agrônomo e ex-vice-prefeito de Porto Alegre) não acumularam bens materiais, como também seus irmãos Viriato, Protásio, Espártaco e Benjamim. Na verdade, Getúlio zelou com pulso firme pela integridade dos cofres públicos nos longos anos de poder, sendo quinze de regime autoritário, exceto na vigência da Constituição de 1934 até 10 de novembro de 1937, início do Estado Novo que perdurou até 29 de outubro de 1945, quando as Forças Armadas o depuseram.
A revista O Cruzeiro, que fazia parte da rede de jornais e rádios denominada Diários Associados, quase quatro anos após a morte de Vargas, mandou à sua terra natal, São Borja, RS, um de seus melhores jornalistas, Arlindo Silva, para fazer reportagem (publicada dia 19.04.1958) sobre o inventário do ex-Presidente.
No derradeiro mandato getulista (1951 a 1954), os Diários Associados fizeram feroz e implacável oposição, com virulentos ataques pessoais ao Chefe da Nação, e certamente estavam ávidos de divulgar que Vargas juntara fortuna.
Quedaram-se frustrados, pois o inventário de Getúlio Vargas mostrava que ele possuía as mesmas propriedades de quando assumiu o poder, herança de seus pais, acrescidas de um apartamento no Morro da Viúva, Rio de Janeiro, adquirido com financiamento da Caixa Econômica Federal.
Em matéria de sete páginas, a revista O Cruzeiro esmiuçou os haveres de Vargas e reconheceu sua absoluta honestidade. Quando o corpo ensangüentado de Vargas com o coração dilacerado pelo tiro que ele mesmo disparou foi encontrado no Palácio do Catete, na manhã de 24 de agosto de 1954, todos puderam observar a extrema simplicidade dos seus aposentos, que até hoje podem ser vistos intactos no Museu da República, RJ.
A única CPI no governo Vargas (arquivada por inconsistência) teve por motivo o jornal Última Hora, fundado por Samuel Wainer em 1951, com financiamento totalmente pago do Banco do Brasil, que revolucionou a imprensa, impresso em cores, paginação moderna, articulistas de renome, colunas com notícias de sindicatos, valorização da classe jornalística através de salários condizentes pagos em dia, e, naturalmente, defesa apaixonada da linha nacionalista de Vargas. O regime militar perseguiu e inviabilizou a continuidade do jornal Última Hora.
Lamentável que grande número de nossos livros didáticos de História, por puro preconceito de seus autores, não publiquem a Carta-Testamento de Getúlio Vargas, escrita com o próprio sangue do personagem que fincou os alicerces do Brasil moderno e do caminho para uma sociedade fraterna e igualitária. Alguns omitem até a existência da Carta-Testamento.
Bem se houve o ex-presidente Itamar Franco, que determinou ao Ministério da Educação imprimir a Carta-Testamento para distribuição em todas as escolas públicas do país. Em contraste, Fernando Henrique Cardoso, no discurso de despedida do Senado, proclamou o fim da “Era Vargas”.
Na vida de Getúlio Vargas não existe conversa de caixas de campanha, de arrecadadores de fundos, de depósitos na Suíça, nas Ilhas Cayman ou em outros paraísos fiscais. Nem ele, nem seus parentes se locupletaram. A irrefutável probidade de Getúlio Vargas e a consagração de sua vida ao povo e à Pátria compõem uma auréola de herói nacional.
Enfocando a ideologia, Vargas era nacionalista, mesclando seu significado com o vocábulo patriotismo. Aí reside, ao meu ver, a maior contribuição de Getúlio Vargas ao Brasil.
Da mesma forma que, no Império, o Duque de Caxias assegurou com a espada e o respeito aos derrotados a nossa unidade territorial, na República Vargas garantiu a unidade nacional.
Até 1937, em vários Estados cultuava-se mais a bandeira e os hinos estaduais do que o pavilhão e o hino nacionais. As polícias militares tinham forte poder bélico e não se subordinavam ao Exército. Isso ocorria na antevéspera da 2ª Guerra Mundial, que ameaçava atrair para nossa terra a luta ideológica entre o nazi-fascismo e o comunismo.
Para inverter a situação, tornou-se necessário radicalizar com a queima das bandeiras estaduais no “Panteão da Pátria” no Rio de Janeiro, o enquadramento das polícias militares, a proibição de escolas que ensinavam em língua estrangeira e a ênfase no culto aos símbolos nacionais.
Registre-se que com o término da guerra, em 1945, e a reconstitucionalização do país, em 1946, os símbolos dos Estados voltaram a ser reverenciados, como é justo e normal, respeitada a superior hierarquia dos emblemas nacionais.
Para levar ao extremo sua devoção à Pátria, Getúlio combateu o comunismo e o nazismo, por não concordar com seus conceitos e, principalmente, pelo seu caráter internacionalista.
Da mesma forma que se opunha ao liberalismo, repudiaria sem vacilação o neoliberalismo, que também é internacionalista, por subjugar as nações periféricas ao imperialismo tecnológico, econômico e político dos países hegemônicos do 1º mundo, notadamente dos Estados Unidos.
A ideologia de Vargas se resume na defesa e exaltação à Pátria brasileira e enquanto ela existir - e existirá para sempre - a Era Vargas continua.
Vargas jamais se curvou aos poderosos de sua época, fossem Hitler, Mussolini e Hiroito, que governaram Alemanha, Itália e Japão, a Tríade do Eixo; ou Stalin, o ditador soviético, ou, ainda, Roosevelt e Churchill, os líderes dos Estados Unidos e da Inglaterra.
Destemidamente, em 1938, o Brasil foi a primeira Nação que enfrentou o temível Fuhrer Adolf Hitler. Vargas não se submeteu à atitude insólita do embaixador Karl Von Ritter do 3º Reich, que arrogantemente exigia fosse revogada a proibição do funcionamento do Partido Nazista. Considerou-o “persona non grata”, expulsou-o do nosso território e o proibiu de regressar ao Brasil. Getulio combateu e derrotou ao mesmo tempo o comunismo e o nazismo, que se digladiavam dentro do nosso território, ameaçando a ordem interna.
Vargas também repudiou banqueiros ingleses, que lhe fizeram, durante audiência no Palácio do Catete, em 1931, observações incompatíveis com a dignidade do país. Refutou-as, levantou-se, encerrou o encontro e manteve a moratória da dívida externa.
Deploravelmente, Getulio Vargas é alvo de infâmias por pessoas que deveriam ser bem informadas. O jornal Valor de São Paulo, publicou dia 31 de agosto de 2009, artigo do Secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, Sr. Joaquim Levy, com o título “Pré-sal, ame-o ou deixe-o?, e o seguinte subtítulo “Não vivemos mais o clima autoritário do governo Vargas, que era contra a Petrobras”.
Não me contive com a idiotice e escrevi Carta ao Leitor para o referido jornal com o seguinte texto:
“Lamentável o título do artigo do Sr. Joaquim Levy, Secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, usando frase da ditadura: Brasil, ame-o ou deixe-o. Pior o subtítulo: "Não vivemos mais o clima autoritário do governo Vargas, que era contra a Petrobras". Será que ele não sabe que foi Vargas quem criou a Petrobras? Mais grave ainda ele comparar a partilha do pré-sal e a venda de petróleo com a "venda de café pelo Instituto Brasileiro do Café nos mercados europeus".
A que ponto chegamos de um secretário de Estado do Rio de Janeiro denegrir a memória de Getúlio Vargas com uma afirmação completamente desprovida de verdade.
Tenho por hábito repudiar as aleivosias contra o grande brasileiro. Sobre o livro “Agosto” e o seriado da Rede Globo de Televisão, publiquei o seguinte artigo, em 21.07.93:
“AGOSTO”: AGRESSÃO À HISTÓRIA
A Rede Globo de Televisão exibiu seriado sobre Getúlio Vargas, baseado no livro Agosto, do romancista Rubem Fonseca.
A versão dos acontecimentos políticos, que entremeiam o romance, tem conotação apaixonadamente antigetulista. Está no livro : “Sua carta que fora escrita para se despedir do governo e não da vida”... (pág. 325). Ora, é evidente a contradição com o final da Carta-Testamento de Getúlio Vargas: “Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.
Vargas disse várias vezes: “Só sairei do Palácio do Catete morto”. Ele intencionava enfrentar pessoalmente o golpe e a Carta-Testamento era um documento para a resistência. O tiro no coração representou um gesto político de auto-sacrifício para evitar que o sangue do povo fosse derramado em uma guerra civil. O ato extremo acabou com a festa na casa do Vice-Presidente Café Filho, onde se confraternizavam os golpistas. “Aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória” (trecho da Carta de Vargas).
O autor do livro ignorou a grandeza e a coragem da imolação de um septuagenário, que havia consagrado a vida a serviço da Pátria, e procura apequenar, à guisa de romancear os fatos, os últimos instantes de Getúlio: “Estava vivo na memória de Vargas o rosto envergonhado da filha”(Alzira). “Getúlio começou a chorar” , (seu irmão). “Benjamim que nunca o vira chorar”...(pág. 323).
Nenhuma frase da Carta-Testamento é citada no livro e o autor comete o despautério de atribuir ao Ajudante de Ordens, Major Fitipaldi (pág. 330), a autoria do bilhete de próprio punho, deixado por Getulio na mesa de cabeceira: “À sanha de meus inimigos, deixo o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer pelos humildes tudo aquilo que desejava”.
O livro e a minissérie repetem os vitupérios da imprensa lacerdista contra Vargas. “Mar de lama, porões do Catete, corrupção, bandidagem”, deixando de ressalvar sua honestidade e virtudes pessoais, hoje reconhecidas unanimemente.
O livro deixa no ar - sem desmentir - infâmias da Tribuna da Imprensa, que Getúlio praticara cinco homicídios na juventude (págs. 153 e 154). Tancredo de Almeida Neves, aos 40 anos foi um altivo e competente Ministro da Justiça de Vargas. O livro minimiza sua atuação e o acoima de “raposão mineiro” (pág. 243).
O livro de Rubem Fonseca não contém uma palavra quanto aos antecedentes políticos da crise e sobre as realizações do governo Vargas, que provocaram a ira de poderosos grupos econômicos, nacionais e internacionais.
No meu entendimento, o romance Agosto não é adequado como roteiro histórico. A Rede Globo fez um desserviço ao país com a minissérie sobre Vargas estribando-se exclusivamente nesse livro.
A vida e a obra do estadista Getúlio Dornelles Vargas constituem magnífico referencial para a juventude e o povo brasileiro. Macular sua memória, além de agressão à história, contribui para acentuar o desalento e perda de auto-estima de nossos compatriotas e a maior descrença nos homens públicos.”
Insurgi-me também contra o livro de Jô Soares, com o título “O homem que matou Getúlio Vargas”. Reproduzo os dois artigos que escrevi.
Publicado em 29.12.1998
“JÔ SOARES CONTRA GETÚLIO VARGAS (I)
Como referência histórica, o livro “O homem que matou Getúlio Vargas” é mais uma piada do consagrado humorista Jô Soares. O pretenso caráter histórico está expresso na “orelha”, que proclama: “Jô Soares conta episódios muito interessantes da História européia e brasileira” .... “Desta vez o alvo são as biografias”. No programa “Roda Viva” da TV Cultura, Jô Soares vangloriou-se, com concordância de alguns entrevistadores, de estar relatando História do Brasil.
Ao revés, do início ao fim do livro, está patenteada a intenção de destruir o ídolo Vargas e o que ele representa, como salvaguarda do sentimento de Pátria e roteiro para que se cumpra o destino do Brasil tornar-se potência mundial.
Ao longo de sua extraordinária vida pública, Vargas suscitou muitos ódios: comunistas e integralistas, que tentaram derrubá-lo pela força e foram esmagados; nazifascistas, pois ele fechou os Partidos Nazista e Fascista, que tinham se instalado no Brasil; negocistas, oligarcas, entreguistas, políticos corruptos e exploradores de toda ordem, a quem combateu implacavelmente; democratas, que não tiveram alcance para compreender as circunstâncias do conturbado período 1935-1945, exigindo governo forte para que os conflitos ideológicos da Europa não desencadeassem aqui luta fratricida, que poderia fragmentar a Nação; filiados à UDN e adeptos do Brigadeiro Eduardo Gomes, a quem Getúlio derrotou duas vezes, em 2 de dezembro de 1945, quando apoiou e elegeu Eurico Gaspar Dutra para Presidente da República, e em 3 de outubro de 1950, ao derrotar ele mesmo o Brigadeiro.
Como é normal, o decurso do tempo arrefece os ódios e as paixões políticas e, hoje, 55 anos após sua morte, é quase unanimidade, também entre seus opositores, o reconhecimento de que Getúlio Vargas foi o maior estadista brasileiro.
Surpreendentemente, o texto de “O homem que matou Getúlio Vargas” revela origem e inspiração nos mais ferozes inimigos do líder. Desde a página 15, o livro mostra paixão e parcialidade, quando atribui a Vargas índole vingativa já aos 14 anos: “O caçula, o menino miúdo e ainda imberbe que prometera vingar-se, tinha apenas catorze anos , chamava-se Getúlio Dornelles Vargas.”
Na primeira citação ao seu governo, Vargas aparece como incendiário e especulador (página 205): “No Brasil, o presidente Vargas, empossado um ano antes por uma revolução, ordenara a queima de milhões de sacas de café. Com a destruição do estoque, ele tenciona manter em alta os preços no mercado internacional”. Se pretendesse focalizar história, o livro teria que guardar fidelidade aos fatos: a depressão econômica mundial de 1929 arrasou a cafeicultura brasileira, despencando os preços a valores ínfimos. Muitos fazendeiros perderam tudo e alguns desesperados extremaram-se no suicídio. Como a exportação de café representava 80% das receitas cambiais do país, o chefe do governo provisório aplicou a única alternativa: restabelecer o equilíbrio estatístico do café, queimando estoques, não para manter os preços altos e, sim, para que a cotação do café voltasse a patamares aceitáveis e remuneradores.
O livro não esclarece que de 1934 a 10 de novembro de 1937 o país vivia em democracia, sob a égide da Constituição de 1934, com o legislativo e o Poder Judiciário funcionando normalmente e o Presidente da República eleito indiretamente pelo Congresso. Ademais, na ditadura Vargas nunca foram praticadas violências sequer parecidas com as da sanguinolenta Gestapo de Adolf Hitler. Diz o livro: “No entanto, a intentona comunista de 27.11.1935, serviu de pretexto para virulentos ataques”. (Página 225): - “O pior é que Getúlio deu carta branca ao chefe de polícia Filinto Müller e a polícia de Filinto usa métodos de dar inveja aos homens da Gestapo”. (Página 230): “Desde novembro passado (1936), centenas de civis e militares comunistas, anarquistas, inocentes ou simplesmente inimigos de Getúlio, foram fichados e recolhidos ao Pavilhão dos Primários”. (Página 231): “Nos primeiros dias de março de 1936 .... Prestes e Olga Benario haviam sido presos no Meyer”.
Vejam a grosseria gratuita (“consciência suja”) e a superficialidade de análise das razões determinantes da implantação do Estado Novo (Página 233): “Comentário jocoso de Aporelli, o Barão de Itararé: “Essas toalhas de mesa são mais sujas do que a consciência do Getúlio”. (Página 259): “A voz de Vargas fere-lhe os ouvidos: “Trabalhadores do Brasil ....”. “Num longo discurso Getúlio anuncia a nova Ordem. Sob o falso pretexto de que há um plano comunista para derrubar o governo pela luta armada, ele informa que fechou o Congresso ....” .
O texto a seguir escancara o propósito raivoso de amesquinhar Vargas e faz correlação ridícula (página 262): “Hoje comemora-se o aniversário de Getúlio. A Hora do Brasil .... prometeu, à noite, um programa em sua homenagem .... . Quem faz anos amanhã é Adolf Hitler, da Alemanha. Os dois ditadores bem que poderiam festejar na mesma data”.
O autor reproduz, em negrito, fac-símile do jornal Tribuna da Imprensa, do dia 5 de agosto de 1954, e artigo escrito por Carlos Lacerda, adversário ferrenho de Vargas, sobre o assassinato do Major Vaz (página 324): “Acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões .... Este homem chama-se Getúlio Vargas”. A seguir, o livro de Jô Soares acrescenta: “Há meses os libelos do jornalista da Tribuna da Imprensa tornavam-se cada vez mais violentos. Acusava Vargas de acobertar negociatas, beneficiar amigos e de mergulhar o país numa corrupção desenfreada”.
Vai além o autor nos vitupérios contra Vargas: (página 326): “Surgem denúncias de corrupção no círculo próximo à Presidência. Os indícios não apontam Getúlio diretamente, no entanto mostram o “mar de lama” em que seu governo mergulhou”.
O anti-getulismo do livro chega ao paroxismo, na página 331, em que o personagem principal quer evitar o suicídio de Vargas: “O melhor modo de extinguir o mito é obrigá-lo a viver. A verdadeira vingança será vê-lo execrado e perseguido longe do poder, como uma besta acuada. Assim são aniquilados os opressores”.
Publicado em 13.01.1999
JÔ SOARES CONTRA GETÚLIO VARGAS (final)
É desrespeito à memória de Vargas e agressão aos sentimentos do povo a utilização pelo comediante Jô Soares do mais dramático documento da história do Brasil, a Carta-Testamento de Getúlio, para fazer publicidade em “out-doors”, espalhados pelo Rio de Janeiro, São Paulo e provavelmente outras Capitais, com a imagem do inesquecível líder e a frase: “Saio da vida para entrar no livro do Jô Soares”, deturpação grosseira da parte final da Carta: “Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”. Aliás, o uso da foto de Vargas na capa do livro, já constitui ato acintoso e deselegante, considerando-se as calúnias e despautérios nele contidos.
A obra de Jô faz remontar ao discurso de despedida no Senado Federal, de Fernando Henrique Cardoso, ocasião em que proclamou o fim da Era Vargas. No exercício da Presidência, ele pôs em marcha o plano de desmanche da Eletrobrás e da Petrobrás, o desvio operacional do BNDE (S) e a desfiguração das leis sociais e trabalhistas legadas por Getúlio.
Não é admissível fazer graça, sem graça, com um dos principais partícipes da vida pública brasileira, responsável pela transformação do país agrícola e retrógrado da Velha República em uma Nação industrial, próspera e dona de seu destino. Vargas cimentou a unidade nacional, racionalizou a administração pública através do DASP, fundou a Cia. Vale do Rio Doce, construiu a Cia. Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, criou a Petrobrás e o BNDES, e propôs a Eletrobrás.
Vargas é exemplo de nacionalismo. A longa vida política e o seu sacrifício extremo servem de inspiração aos jovens que tenham vocação e queiram ingressar na vida pública. Destruir esse mito é servir aos desígnios do “Consenso de Washington”, cujos autores reunidos em novembro/89, estabeleceram como objetivos a redução drástica do Estado, a corrosão do conceito de Pátria, a globalização e o neoliberalismo.
Os aspectos (pseudo) históricos sobre Vargas da obra do Jô são similares aos do livro “Agosto”, do escritor Rubem Fonseca que, a pretexto de desenvolver a trama romanesca, entre os dias 5 e 24 desse fatídico mês do ano de 1954, mostrou seu fanatismo anti-Getúlio, também baseado em matérias da Tribuna da Imprensa, jornal que na época era propriedade do jornalista Carlos Lacerda, sabidamente figadal inimigo de Vargas.
Em 14 de abril de 1996, o Jornal do Brasil anunciou a nova obra de Jô Soares, aduzindo “que o autor compartilhou segredos com o amigo Rubem Fonseca”. A Folha de S.Paulo de 3 de dezembro de 1998, em matéria assinada por José Geraldo Couto, da Equipe de Articulistas, diz que “Fonseca está ligado - como padrinho, consultor ou incentivador - à carreira de gente famosa, como Bruna Lombardi e Jô Soares, sem falar das escritoras Ana Miranda e Patrícia Melo”. “Embora só na obra desta última, as marcas de Rubem Fonseca sejam percebidas mais diretamente, há em outras a mistura de intriga (geralmente policial) e erudição, que caracteriza a literatura do autor”.
Anteriormente, 2 de julho de 1995, esse mesmo jornal Folha de S.Paulo publicou extensa reportagem de quatro páginas inteiras, escrita pelo jornalista Mario Cesar Carvalho, sob o título “A verdadeira história policial de Rubem Fonseca” e o subtítulo “Folha rompe mistérios sobre o passado do autor de Agosto”.
Para que os leitores possam ajuizar e tirar suas próprias conclusões da origem do exacerbado anti-getulismo do escritor, vou sintetizar alguns dados biográficos de Rubem Fonseca, extraídos da mencionada matéria jornalística: 1- Em 1950, ele era esquerdista. Na eleição presidencial de 3 de outubro de 1950, apoiou a candidatura de João Mangabeira, do Partido Socialista Brasileiro, mas o eleito foi Getúlio Vargas; 2- Começou a carreira de Comissário de Polícia em 31.12.1952, no Rio de Janeiro, então Capital da República; 3- Fez curso de especialização para policiais nos Estados Unidos da América do Norte, entre setembro de 1953 e março de 1954; 4- Foi relações públicas da Light, empresa canadense concessionária de energia elétrica no Rio de Janeiro; 5- Integrou o IPES (Instituto de Pesquisas em Estudos Sociais), entidade liderada pelo General Golbery do Couto e Silva, que articulou a conspiração contra o presidente João Goulart”.
Insisti para debater o assunto no programa Jô Soares, na Rede Globo de Televisão, mas ele recusou minha presença.
Contrastando com essas ignomínias, verdades históricas são bem enaltecidas no livro dos jornalistas norte-americanos Gerard Colby com Charlotte Dennett SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, com o subtítulo A Conquista da Amazônia: Nelson Rockefeller e o Evangelismo na Idade do Petróleo (Editora Record, 1998), tradução de Jamari França, que comentei no meu artigo “Ação dos EUA na queda de Getulio Vargas”, publicado em 24 de agosto de 2001.
A criação da Petrobras, Lei 2004, de 03 de outubro de 1953, afrontou os donos das gigantes internacionais do petróleo. A obra baseou-se em documentos oficiais, liberados pelo governo estadunidense depois de 50 anos dos acontecimentos, e mostra que a política nacionalista de Getulio Vargas quanto à exploração do petróleo teve decisiva influência em sua deposição pelas Forças Armadas, em 29 de outubro de 1945, e na crise política de agosto de 1954.
O livro comenta a fundação da Petrobras e diz que “Vargas tentou preservar para a Petrobras todos os direitos de exploração e refino. As empresas americanas, lideradas pela Standard Oil, reagiram. O Brasil era um dos maiores mercados de petróleo do hemisfério, controlado pela Standard, Shell, Gulf, Texaco e Atlantic. Se Vargas expandisse a pequena capacidade de refino do Brasil através da Petrobras, as empresas seriam excluídas de todo o crescimento neste mercado crucial” (pag. 294). O livro deixa evidenciado que por causa da política nacionalista do petróleo houve o congelamento dos empréstimos norte-americanos ao Brasil.
As firmes posições de Getulio na questão do petróleo, na defesa da Amazônia e da autonomia econômica do Brasil foram fatores que determinaram a confessada interferência do Embaixador norte-americano Adolfo Berle no afastamento de Vargas da Presidência da República, em 1945.
Na concepção de Rockefeller (então “rei do petróleo”), partilhada pelo governo estadunidense, nos anos de pós-guerra em 1945, “quem quer que controle a torneira do petróleo do Oriente Médio pode controlar o destino da Europa. No entanto, a torneira latino-americana teria que fechar, porque uma superabundância de petróleo derrubaria preços e lucros. A solução encontrada por Washington é que as reservas de petróleo da América Latina não deveriam ser exploradas e sim mantidas pelas empresas americanas como reservas de petróleo” (pag. 225)
O livro relata (pág. 214) que “o petróleo brasileiro e as empresas estatais caíram sob a vigilância estreita do Embaixador Berle, que pediu a Vargas a substituição por um americano do diretor brasileiro da Cia. Vale do Rio Doce”. O livro diz (pag. 215) que Vargas “continuava se opondo a qualquer controle estrangeiro sobre a exploração de recursos da Amazônia. Preservar a autonomia econômica do Brasil sempre foi uma prioridade”.
“No dia 29 de setembro de 1945, Berle jogou sua bomba sobre o palácio presidencial”. A obra conta em minúcias o discurso do Embaixador dos EUA na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), pondo em dúvida as intenções de Getulio realizar eleições. Nesse discurso ele aludiu que entre os direitos de “liberdade interna” estavam o “direito de acesso aos recursos econômicos do mundo”. “No dia do golpe contra Getulio, Berle foi a uma festa. Ao saber que uma rádio anunciara a renúncia de Vargas “eu bebi meu café e conhaque em relativa calma”, Berle, anotação do diário de 30 de outubro de 1945” (pags. 217 a 219 e 937).
O livro (pag. 222) salienta as diretrizes traçadas pelos EUA ao término da 2ª Guerra: “Nacionalizações proibidas, mesmo a reserva de uma indústria para a iniciativa privada nacional era inaceitável. A administração Truman estava efetivamente decretando que todas as economias, recursos, indústrias, comércio e mercados do mundo deviam estar abertos à penetração das corporações americanas”.
Dá para dizer-se que qualquer semelhança dessa política de meio século atrás com a recente proposta felizmente frustrada da ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) não é mera coincidência, mas sim a continuidade de consciente ação político-governamental, que deu como resultado os EUA se tornarem a nação mais rica do mundo.
Esse livro é a confirmação do que Getulio Vargas acusou na sua Carta Testamento:
“Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, e mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma.”
O Brasil vive agora discussão acalorada sobre novo arcabouço legal para as descobertas do pré-sal. É oportuno reproduzir meu artigo, publicado na Gazeta do Povo em 7 de setembro de 2009, no Jornal da Manhã, O Paraná e outros, sob o título:
“ADOTADAS SUGESTÕES PARA O PRÉ-SAL
Finalmente, o governo anunciou em Brasília o modelo que vai nortear as atividades de exploração das gigantescas reservas petrolíferas do pré-sal, calculadas pelos mais otimistas de 90 a 339 bilhões de barris de petróleo e gás, que colocarão o Brasil na condição de um dos maiores produtores e exportadores mundiais.
A respeito do assunto, publiquei vários artigos entre 9 de janeiro e 21 de setembro de 2008, nos quais inseri “sugestões para o petróleo”, que encaminhei ao Presidente da República, aos ministros de Minas e Energia e da Casa Civil e ao presidente da Petrobras.
Foram as seguintes as idéias que formulei:
1- Exclusividade da Petrobras como operadora, uma vez que descobriu após 30 anos de pesquisas as jazidas do pré-sal, tendo know-how internacionalmente reconhecido e excelência nas perfurações ultra profundas de 6.000 a 7.000 metros. A Petrobras poderia formar Sociedade de Propósito Específico com empresas nacionais ou estrangeiras.
2- Aumento do capital da Petrobras de R$ 100 bilhões, com chamada em dinheiro de todos os acionistas, inclusive do exterior e dos que utilizaram o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
3- Modificar o março regulatório vigente de concessão para o sistema de partilha de produção, admitida coexistência dos dois modelos, com a partilha nas áreas do pré-sal e em outras estratégicas e concessão nas de menor viabilidade de achar petróleo.
4- Criar empresa 100% estatal, sem caráter operacional, para administrar em nome da União as riquezas do pré-sal e fiscalizar os custos de produção.
5- Unitizar áreas livres contíguas às licitadas do pré-sal para a nova estatal que passaria as tarefas executivas à Petrobras.
6- Respeitar as regras dos leilões já realizados nos 28% do pré-sal (do total de 800 quilômetros que se estendem do Espírito Santo a Santa Catarina), não havendo portanto quebra de contratos. As novas normas aplicar-se-iam aos 72% ainda não licitados.
7- Poder de decisao da União sobre o ritmo de exportação do óleo cru - acelerado ou moderado - dando primazia ao abastecimento das refinarias brasileiras.
8- Criar o Fundo Soberano Intergeração, tendo como agentes operacionais o BNDES e o Banco do Brasil, e destinando os recursos arrecadados com o pré-sal à educação, saúde e outros setores selecionados e deixando divisas aplicadas no exterior para não valorizar em excesso o real.
9- Industrializar e exportar produto refinado (diesel, nafta, querosene, etc.), de alto valor agregado em relação o óleo bruto. A Petrobras está elevando a capacidade instalada das refinarias de R$ 1,9 milhão para 3,2 milhões de barris/dias, cobrindo apenas o atual volume de produção, sem contar o que virá com o pré-sal, significando que esse programa precisa ser ampliado.
10- Fomentar a indústria petroquímica, embora por empresas em que a Petrobras seja minoritária.
11- Assegurar à União a propriedade do petróleo que vier a ser encontrado, revogando-se a lei 9.478/97, proposta por Fernando Henrique Cardoso, que transfere esse direito aos descobridores.
12- Deixar a Petrobras imune de captação para o superávit primário, a fim de não desviar recursos de investimentos.
13- Elevar para 84º a participação Especial da União.
14- Elaboração urgente de Plano de Incentivos Fiscais e Creditícios para produzir no país navios, plataformas e equipamentos em geral necessários à exploração do petróleo.
15- Suspender a distribuição de lucros aos acionistas por 3 (três) anos para suprir de receita os enormes investimentos. Depois, as benesses retornariam multiplicadas.
Com pequenas alterações, o governo federal adotou todas minhas sugestões, exceto as de número 11 a 15, cabendo ressaltar que não se aplica no pré-sal a lei 9.478/97.
Pela proposta governamental, a Petrobras será operadora de todas as áreas do pré-sal, no mínimo com 30% nos consórcios, podendo ampliar esse percentual através dos leilões. Ademais, ela poderá ser contratada sem licitação para explorar campos do pré-sal. Isso é fundamental para priorizar no Brasil a compra de navios, plataformas, equipamentos usados na atividade petrolífera, assegurando com o adensamento da cadeia produtiva espetacular impulso à indústria nacional. O Fundo Social e Ambiental, criado pelo governo, destinar-se-á à educação, combate à pobreza, inovação tecnológica, cultura e meio ambiente.
O anúncio do projeto do pré-sal alvoroçou os lobistas das empresas multinacionais e seus porta-vozes, que não querem aceitar a Petrobras como operadora única. Também se ouriçaram oposicionistas raivosos e inconseqüentes do Congresso Nacional. Tomara que prevaleça o bom senso, sem radicalismos, e espera-se que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal apreciem a matéria com patriotismo e espírito público, esquecendo oposição e governo e se detendo somente nos altos anseios nacionais. A magnitude da questão exige regime de urgência na tramitação das proposições.
Vamos voltar a Getulio Vargas. Até hoje a opinião pública é surpreendida com fatos novos. Ainda agora, foram divulgados alguns dos 500 bilhetes que o presidente no seu mandato de 1951 a 1954 enviou ao Chefe da Casa Civil Lourival Fontes, depois Senador por Sergipe. Ele arquivou todos e os repassou ao ex-Governador de Sergipe Lourival Batista. Um neto deste está de posse dos bilhetes, e pretende publicá-los em livro.
Além de providências administrativas, esses bilhetes retratavam sua preocupação em impedir e desfazer atos de improbidade administrativa e de afastar titulares de cargos de confiança sobre os quais pesavam dúvidas de atuação.
Vocês devem ter lido os dois volumes (Editora Siciliano - 1995) que trazem as memórias de Getúlio Vargas, escritos diariamente desde a data da eclosão da Revolução de 30 até 1942, relatando todos os principais acontecimentos que envolveram sua vida político-administrativa e a vigilância constante com a moralidade pública, o interesse permanente pela solução dos problemas brasileiros e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo mais humilde.
Nenhum outro Presidente da República preocupou-se em escrever um diário, mais uma demonstração inequívoca do seu patriotismo e magnitude de estadista. Fantástico é que em todos seus discursos e manifestos escritos ele coloca no alto e em destaque absoluto a Pátria e o povo.
Tudo era conduzido para elevar a auto-estima do povo brasileiro e a crença inabalável em um futuro melhor, completamente diferente do incutido na população por alguns detratores de que somos raça inferior, país foi colonizado inicialmente por degradados, só valemos por carnaval e futebol, que temos impulsão para a desonestidade e atos criminosos.
Na verdade, formamos identidade racial privilegiada com o caldeamento entre portugueses, índios e negros, aprimorado com as migrações européias e asiáticas, notadamente italianos, alemães, poloneses, ucranianos, holandeses, japoneses e tantos outros.
O nosso inesquecível senador Darcy Ribeiro, ensina no seu livro O Povo Brasileiro :
“À época do descobrimento, o português era um euro-africano no plano cultural e racial, resultante de sua mestiçagem e de longa ocupação pelos mouros, já acostumado ao convívio com povos morenos, e isso constituiu fator psicológico primacial para facilitar sua aproximação, convivência e miscigenação primeiro com os povos indígenas e depois com a negritude africana.”
Darcy discorre com entusiasmo: “O Brasil é uma província da civilização ocidental, uma matriz ativa da civilização neolatina, melhor que as outras, cujo papel doravante será ensinar o mundo a viver mais alegre e mais feliz”.
“Somos uma nova Roma, lavada em sangue negro e índio, destinada a criar uma esplêndida civilização, mestiça e tropical, mais alegre, porque mais sofrida; e melhor porque incorpora em si mais humanidade; mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e culturas e porque assentada na mais bela província da terra.”
Depois dessas frases magistrais de Darcy Ribeiro, vamos para o final desta palestra.
Para atrair os jovens à participação na vida partidária a condição essencial é que tenham vocação política e o desejo sincero de servir à coletividade e de lutar pelo engrandecimento da Pátria. O jovem precisa nutrir o seu idealismo de exemplos incontestáveis de lideranças que consagraram suas vidas para esses objetivos, como o fizeram Getúlio, Jango, Pasqualini, Darcy Ribeiro e Leonel Brizola. Nada macula a jornada desses líderes e o sacrifício da própria vida de Getúlio Vargas é fato exclusivo dele.
A imensa obra de Getúlio Vargas está viva e presente em nossos dias: Vale do Rio Doce, Siderúrgica de Volta Redonda, Eletrobras, BNDES, Petrobras, Consolidação das Leis do Trabalho, salário mínimo, pensão e aposentadorias, independência e soberania.
Bases e Sugestões para uma Política Social, livro básico de Alberto Pasqualini, contém a doutrina do trabalhismo, ainda atual e voltada para o futuro nos seus conceitos fundamentais.
João Goulart sancionou a lei de criação da Eletrobras, a Lei de taxação de remessa de lucros das empresas estrangeiras, defendeu os interesses dos trabalhadores desde o Ministério do Trabalho, lutou pelas Reformas de Base, notadamente a Reforma Agrária, o único Presidente da República que morreu no exílio.
Darcy Ribeiro como escritor, senador, fundador da Universidade de Brasília, ministro e chefe da casa civil de Jango, Secretário e vice-governador de Brizola, é um ícone do nacionalismo. Seu livro “O Povo Brasileiro” é um farol que ilumina e enaltece nossa formação étnica.
Finalmente, Leonel Brizola é uma trajetória de coragem e de perseverança. A Campanha da Legalidade é exemplo exclusivo na história brasileira de uma derrota de militares golpistas por uma liderança democrática civil. A desapropriação de empresas estrangeiras na telefonia e energia elétrica, que solapavam o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul, e a reforma agrária iniciada com sucesso são marcas de sua visão administrativa.
Como Governador do Rio de Janeiro, além do sambódromo, humanização das favelas com a escrituração de lotes aos moradores, e da construção da “linha vermelha” até o Aeroporto do Galeão, o que avulta é a ação de Brizola na área do ensino com a concepção e construção dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública).
Ninguém contesta que a maior fragilidade do Brasil no momento reside nos baixos índices qualitativos da educação, como demonstrou muito bem o Senador Cristovam Buarque em sua campanha presidencial. Esse é o destaque mais relevante da obra de Leonel Brizola, que investiu fortemente na educação nos governos do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, aqui com o maior percentual orçamentário do país.
Não quero dizer que a lembrança do passado deva ser o foco principal porque a construção do futuro é o que interessa ao povo. Mas, também, é irrefutável que para construir o porvir tem que haver base sólida e os exemplos das realizações do passado.
Termino com estas palavras da Carta-Testamento:
“Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será vossa bandeira de luta.
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência.
Ao ódio respondo com meu perdão e aos que pensam que me derrotaram respondo com minha vitória.
Era escravo do povo e me liberto para a vida eterna, mas esse povo de quem fui escravo jamais será escravo de ninguém”.
Léo de Almeida Neves, Membro da Academia Paranaense de Letras, ex-deputado estadual e federal, ex-diretor do Banco do Brasil
http://pdt.jusbrasil.com.br/politica/3671270/getulio-vargas-e-o-sonho-brasileiro-por-leo-de-almeida-neves